O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, e o presidente dos EUA, Donald Trump, se cumprimentam durante o histórico primeiro encontro entre líderes dos dois países, em 12 de junho de 2018, em Cingapura| Foto: SAUL LOEB / AFP

Em 12 de junho de 2018, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, entraram para os livros de história como os primeiros líderes de seus países a se encontrarem frente a frente.

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Nos cenários mais otimistas, a expectativa era que o encontro cessasse os testes com mísseis e trouxesse fim às tensões entre os países. Mas a situação pouco evoluiu: a animosidade com os vizinhos da Ásia permaneceu e menos de um ano depois a Coreia do Norte lançou mísseis novamente.

Nesta terça-feira (11), no entanto, Trump demonstrou otimismo com a possibilidade de progresso nas negociações entre os dois países. Falando a jornalistas na Casa Branca, Trump disse ter recebido "uma bela carta" de Kim e que achava que "algo vai acontecer que vai ser muito positivo". Também nesta terça-feira, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, disse que um terceiro encontro entre os dois líderes estava nas mãos de Pyongyang. "Nós estamos prontos quando eles estiverem", afirmou Bolton.

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Canal de diálogo

O alívio da tensão entre Estados Unidos e Coreia do Norte foi uma das promessas do governo Trump: abrir um canal de diálogo com o país asiático foi a principal política externa durante o segundo ano de mandato do presidente americano. “Temos um diálogo muito bom com a Coreia do Norte”, disse Trump em 6 de janeiro. “Não vou mais longe do que isso. Só vou dizer que é muito especial. E se fosse outra pessoa, e não eu, estaríamos em guerra agora.”

O entusiasmo de Trump, porém, pareceu diminuir em poucos meses. Os presidentes americano e norte-coreano marcaram uma segunda cúpula em Hanói (Vietnã) em fevereiro de 2019, mas poucos dias antes do encontro Trump, curiosamente, minimizou as expectativas, dizendo que não existia pressa em fazer com que a Coreia do Norte desistisse de suas armas nucleares. E que está mais focado em impedir que o país reinicie testes nucleares.

As nações demonstraram intenção em realizar um terceiro encontro nos próximos meses, mas a repercussão na Coreia do Norte é de fracasso. “Os EUA não aceitarem nossa proposta é desperdiçar uma oportunidade que acontece uma vez a cada mil anos”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores da Coreia do Norte, Choe Son Hui. “O presidente Kim teve a sensação de que não entendia o modo como os americanos negociam. Tenho a impressão de que o presidente Kim pode ter perdido a vontade de negociar”, completou.

Paz pelos ares

“Nosso povo está começando a aprender que a Coreia do Norte não vai desistir facilmente de suas armas nucleares, algo que muitos especialistas já previram diversas vezes”, analisa Kim Taewoo, ex-presidente do Instituto Coreano de Unificação Nacional em Seul.

A Coreia do Norte lançou um míssil em 4 de maio. Cinco dias depois, em 9 de maio, mais dois mísseis voaram pelos ares antes de aterrissar no mar. Na época, o Pentágono os descreveu como mísseis balísticos, o que foi apoiado por uma série de especialistas, mas as fontes divergem quanto a isso. A distinção entre míssil balístico e não balístico é importante: múltiplas resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) dizem especificamente que a Coreia do Norte deve interromper todos os testes que usam tecnologia de mísseis balísticos, considerada particularmente ameaçadora para outros países. Ou seja, classificar os mísseis como "balísticos" aumentaria as pressões diplomáticas em um momento em que o processo de paz já está desmoronando.

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O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, parece reconhecer isso e também minimizou os testes, dizendo que eles eram de curto alcance e não uma ameaça aos Estados Unidos. O mesmo está fazendo a Coreia do Sul, que descreveu os mísseis como “projéteis” em 4 de maio e os lançados em 9 de maio como “mísseis de curto alcance”, argumentando que são necessárias mais análises para determinar se realmente são balísticos.

“Não há dúvida de que a Coreia do Norte disparou pelo menos três mísseis balísticos”, diz Jeffrey Lewis, estudioso do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, em Monterey, na Califórnia. “Mentir sobre o que os norte-coreanos estão fazendo é uma receita para o desastre: esses testes são um aviso do que está por vir a menos que os Estados Unidos estejam dispostos a aceitar muito menos do que o exigido em Hanói”, completa.

Já Vipin Narang, professor associado de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), afirma que a trajetória do míssil KN-23 é baixa, então às vezes ele é chamado de “míssil quase balístico”. “Isso pode dar a eles [sul-coreanos] espaço suficiente para dizer 'não é um SRBM [míssil balístico de curto alcance]. Mas é."

Estratégia

Ainda assim, Donald Trump se posicionou a favor do ditador coreano: em uma coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro japonês, Abe Shinzo, Trump contradisse diretamente seu próprio conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu anfitrião, argumentando que Pyongyang não havia lançado mísseis balísticos em maio, nem violado as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Trata-se de uma estratégia para minimizar o fracasso da cúpula em Hanói, em fevereiro, quando o presidente americano deixou mais cedo o encontro sem assinar acordo ou declaração conjunta com o ditador norte-coreano. De qualquer forma, os testes de mísseis são uma linha tênue que pode ser ultrapassada em um cenário que já é delicado.

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Narang aponta que eles podem ser respostas pontuais aos exercícios militares dos EUA e da Coreia do Sul, mas o risco é que, ao evitar críticas, Trump e o presidente sul-coreano Moon Jae-in dão sinal verde a Kim para que ele continue usando as mesmas táticas, o que pode levá-lo a testar mísseis de longo alcance como uma forma de pressão. “E se ele lançar um míssil muito longe ou lançar um míssil muitas vezes e, literalmente, ultrapassar o que Trump está disposto a tolerar?”, questiona.

Via de mão dupla

Do lado dos Estados Unidos, as mudanças também ficaram apenas no discurso. Em maio, autoridades americanas apreenderam um navio norte-coreano usado para vender carvão, alegando violação de sanções internacionais. Segundo funcionários do Departamento de Justiça, o navio “Wise Honest” estava se aproximando das águas territoriais dos EUA, com a coordenação dos marechais dos EUA e da Guarda Costeira.

O navio graneleiro de casco simples de 17.601 toneladas é um dos maiores transportadores da Coreia do Norte. As autoridades dos EUA disseram que ele foi usado para transportar carvão norte-coreano ilicitamente e entregar maquinário pesado para a Coreia do Norte. Reportagens indicam que as autoridades indonésias detiveram a embarcação no ano passado sob suspeita de que estivesse violando sanções. Autoridades americanas, porém, não disseram se a Indonésia havia lhes entregado o navio.

Vale lembrar que o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução em 2017 que proíbe a Coreia do Norte de exportar carvão. Mas isso não a impediu de continuar conduzindo seu comércio de forma ilícita: o país tem uma frota de navios fantasmas que pintam nomes falsos em seus cascos, roubam números de identificação de outros navios e executam seus negócios passando as cargas de navio a navio em alto mar, a fim de evitar olhares indiscretos nos portos.

Já para Pyongyang, a apreensão foi um ato ilegal dos Estados Unidos que feriu o acordo estabelecido entre os dois presidentes. Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores norte-coreano afirmou que rejeita as resoluções do Conselho de Segurança da ONU contra a nação que os EUA citaram ao confiscarem o navio. Segundo eles, as resoluções são uma violação da soberania norte-coreana.

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“Os Estados Unidos cometeram um ato ilegal e ultrajante de desapropriação de nosso navio de carga”, disse um porta-voz não identificado da chancelaria em um comunicado divulgado pela agência de notícias estatal norte-coreana KCNA. “O ato mais recente dos EUA constituiu uma extensão do método norte-americano de calcular para colocar a RPDC [República Popular Democrática da Coreia] de joelhos por meio da ‘pressão máxima’ e uma negação explícita do espírito subjacente ao Comunicado Conjunto RPDC-EUA de 12 de junho”, continua o comunicado.

Compasso de espera

Com relações ainda fragilizadas, possibilidades de melhoria estão, sobretudo, em espera. De um lado, os Estados Unidos esperam que a Coreia do Norte abandone os testes nucleares. Do outro, Pyongyang aguarda Washington derrubar sanções, o que permitiria a recuperação da economia do país.

Neste cenário, Kim já deixou claro que o arsenal nuclear é sua moeda de troca para garantir um novo futuro nas relações: o presidente norte-coreano afirmou em um discurso no Ano Novo que a Coreia do Norte pode ser forçada a seguir um novo caminho se os Estados Unidos mantiverem sanções e exigirem ações unilaterais. Mas Kim também afirma que a melhora nas relações pode acelerar se os Estados Unidos tomarem “ações correspondentes” – o ditador já havia dito ao presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que estava preparado para fechar permanentemente o local de processamento nuclear de Yongbyon, se os Estados Unidos tomarem “medidas correspondentes”.

A questão central é o que os Estados Unidos estão dispostos a oferecer. “Entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos, estamos consultando de perto que tipos de medidas de desnuclearização devem ser seguidas e o que os Estados Unidos e a comunidade internacional podem fazer como medidas correspondentes”, disse a ministra das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Kang Kyung-wha, em entrevista coletiva.

De acordo com Washington, a falta de sucesso da primeira cúpula ocorreu devido a exigências excessivas de alívio de sanções por parte de Pyongyang em troca de medidas de desarmamento limitadas. Para Kim, é Washington que está exigindo mais do que oferece.

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“É claro que damos importância à resolução de problemas através do diálogo e de negociações. Mas o estilo de diálogo dos Estados Unidos, de impor unilateralmente as suas exigências, não se ajusta a nós, e não temos interesse nele”, declarou Kim em discurso. “Esperaremos com paciência até ao fim de 2019 que os Estados Unidos apresentem uma decisão corajosa. Mas claramente será difícil que surja uma boa oportunidade como da última vez”.