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Ela é rica, bem vestida, poderosa no mundo político e acaba de ganhar as elições para a Presidência da Argentina já no primeiro turno da eleição. A senadora e primeira-dama, Cristina Fernández de Kirchner, de 54 anos, conquistou a confiança e a promessa de voto dos argentinos mostrando duas faces: de um lado, ela bate duro nos adversários, chamando-os até mesmo de "ridículos"; de outro, evoca em seus discursos e aparições públicas todo o charme associado a Evita Perón -a mais popular primeira-dama da história do país.

"Mas eu seria uma Evita de punhos cerrados", afirmou recentemente a própria Cristina, que tenta construir sua imagem como uma mulher arrojada e moderna. Mesmo sem rejeitar uma identificação sua com Evita, a candidata prefere ser comparada à presidente chilena, Michelle Bachelet, e à senadora e pré-candidata à Presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, de quem, aliás, confessa ser grande admiradora. Não por acaso, Cristina esteve reunida com as duas nos dois últimos anos.

E não foi só. Mulher do atual presidente argentino, Néstor Kirchner, Cristina intensificou sua agenda política nos últimos meses -já de olho na eleição. Reuniu-se com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, com a chanceler alemã, Angela Merkel, com o presidente da Espanha, José Luis Rodriguez Zapatero, com o então ministro do interior francês, Nicolas Sarkozy (que logo depois se tornaria presidente), e com os presidentes latinos de esquerda Hugo Chávez, da Venezuela, e Rafael Correa, do Equador. Sobrou tempo até para fazer foto ao lado da rainha Beatrix, da Holanda.

Argentina tenta sair da crise, mas inflação e apagões atrapalham

Com 54 anos, advogada, mãe de dois filhos - Máximo e Florência - e uma longa carreira legislativa, Cristina é conhecida pelo seu caráter forte e sua influente participação nas decisões do governo comandado pelo marido.

Na Casa Rosada, onde tem um gabinete exclusivo e dá expediente, Cristina integra um ciclo íntimo de assessores do presidente. Na Quinta de Olivos, residência oficial onde mora há quase quatro anos, participa de reuniões com outros presidentes ao lado do marido, algumas vezes sendo a única primeira-dama presente.

Recente reportagem da influente revista alemã "Der Spiegel" diz que "a esposa do presidente dá a impressão de estar comandando o país, sobretudo no que diz respeito à política estrangeira".

'Casal K'

Até pouco antes de Néstor e Cristina Kirchner -conhecidos como "casal K"- deixarem a província de Santa Cruz, no sul do país, para entrar na Casa Rosada como presidente e primeira-dama, era ela, e não ele, a figura mais conhecida dos argentinos. Casaram-se em 1975 e, no ano seguinte, se mudaram para a província de Santa Cruz, onde abriram um escritório de advocacia -e ficaram milionários. Declaração de bens de Cristina realizada há poucos dias indica que seu patrimônio chega a 5,7 milhões de pesos (cerca de R$ 3,2 milhões).

Eleita deputada provincial em 1989 e reeleita em 1993, Cristina foi constituinte em 1994. Em 1995, assumiu como senadora e, em 1997, foi reeleita deputada federal pela mesma província.

Durante os anos 90, o casal K manteve um estreito relacionamento político com o então presidente e atual senador Carlos Menem, hoje criticado pelos Kirchner por casos de corrupção e pelas seqüelas da sua política neoliberal.

Em 2001, ela foi eleita senadora por Santa Cruz e, em 2005, senadora pela província de Buenos Aires, deixando para trás a mulher do ex-presidente Eduardo Duhalde, que em 2003 apoiou a candidatura de Kirchner para presidente e que, depois disso, se tornaria um adversário político dentro do mesmo partido. A conquista de Cristina abriu caminho para sua candidatura à Casa Rosada neste ano.

Estrategistas políticos do casal discutiram por meses a conveniência de Néstor tentar a reeleição. Avaliaram que seu nome estava desgastado, e que sua mulher teria mais chances de manter o casal K na Presidência da Argentina. A candidatura de Cristina foi finalmente confirmada em 1º de julho. Desde então seu marido tem sido seu principal cabo eleitoral.

Não muito simpática à imprensa argentina - que costuma tratar com ironia, ignorar a presença e não conceder entrevistas - nem adepta aos debates com candidatos adversários, a primeira-dama costuma fazer declarações em seus discursos em atos públicos ao lado de Néstor, em eventos de campanha restritos a correligionários ou ainda em reuniões empresariais.

Para outros analistas, Cristina traz uma vantagem em relação a Néstor Kirchner: ela vem dando sinais de que pode ter uma melhor relação com os credores estrangeiros e com a classe empresarial do que seu marido teve.

No plano interno, a candidata propõe um "diálogo social" entre trabalhadores e empresários para manter um "modelo de acumulação e inclusão social". A idéia parece ser trazer mais ao centro um governo que, durante quatro anos, congelou tarifas de serviços públicos, proibiu exportações para manter o preço interno e manteve até recentemente a indenização dupla para quem demitisse funcionários, medida adotada no auge da crise de 2000/2001.

Entre os desafios de Cristina em um possível governo estão os temas que ficaram pendentes e incompletos do governo de Kirchner: controle da inflação em um país que vem crescendo a uma média de 8% ao ano, o reajuste das tarifas públicas, a reforma tributária e da Justiça e a melhoria do sistema de saúde e de assistência social.

Cristina é defensora da integração regional, preferindo Chávez a George W. Bush. "A América Latina precisa de Hugo Chávez como a Europa precisa de (Vladmir) Putin", disse, referindo-se ao presidente da Rússia. Mesmo assim, espera-se uma aproximação da Argentina com os Estados Unidos em seu eventual governo.

"Alguma vez, como parte de uma geração, sonhamos em mudar o mundo. Hoje, somos mais humildes. Queremos apenas mudar nosso país e ajudar que mudem a região", afirmou a candidata durante a campanha. "Ridículos"

Senadora pelo partido Justicialista (também conhecido por peronista), ela costuma atacar os adversários, chamando até mesmo de "ridículos" os políticos que ela diz não acreditarem na reconstrução de um país que em 2001 foi abatido por uma grave crise econômica, política e social.

Aos que questionam a crise energética vivida pelo país com "apagões" e a inflação sofrida no bolso dos consumidores, ela responde com dedo em riste que a culpa é da falta de investimento privado no setor de energia e do crescimento do consumo da população.

Turbulência

Apesar de liderar as pesquisas, Cristina não teve uma campanha tão tranquila. A imprensa argentina deu destaque para casos de corrupção no governo federal -que a atingiram diretamente- e principalmente para a inflação crescente (que motivou a chamada "guerra do tomate", após o produto aumentar 400% em poucas semanas).

"A corrupção argentina está desenfreada", disse relatório da ONG Transparência Internacional, no mês passado. A revista semanal "Notícias" publicou uma reportagem em que afirma que a campanha de Cristina estourou os gastos previstos -e boa parte do dinheiro usado pelos candidatos argentinos sai dos cofres públicos. Já o diário "La Nación" informou que o programa eleitoral de Cristina não passava de uma cópia do apresentado pelo marido nas eleições de 2003.

Vaidade

Detalhista e exigente com tudo o que a rodeia, Cristina costuma dar trabalho aos assessores tanto quando está despachando na Casa Rosada como quando participa de atos públicos ou viagens -em cada visita a um país estrangeiro ela faz questão de levar um guarda-roupa completo e, claro, fazer fotos para os jornais locais.

Desde a organização da sua mesa, que precisa estar impecável - diferentemente da sala do marido, segundo comenta-se nos bastidores políticos- até a marca da água mineral servida enquanto discursa, passando pela segurança, tudo precisa estar de acordo com suas ordens.

As exigências com o seu visual reforçam sua personalidade obsessiva. Para ter um cabelo sempre bem escovado e com uma cor moderna ela é atendida por um dos cabeleireiros mais badalados de Buenos Aires: Alberto Sanders, que já cuidou do cabelo da brasileira Xuxa.

Nas últimas semanas, Sanders ficou com a agenda completa ao atender quase que exclusivamente a primeira-dama. Chegou a deixar de lado uma das principais modelos argentinas, Araceli González, que tornou pública sua irritação por ser trocada. O caso virou capa de uma revista argentina de fofoca. No final, as madeixas da candidata ganharam megahair e uma cor bordô para a campanha.

Cristina está sempre bastante maquiada, com muito rímel e lápis de olho. Não repete uma roupa e segue fielmente a moda, fazendo compras em butiques chiques de Buenos Aires (adora os sapatos da badalada "Ricky Sarkany") e em suas viagens ao exterior.

Em sua visita à Espanha em julho passado, ela usou vestidos exuberantes, com cintos grandes como manda a temporada, com sapatos e bolsas escolhidos cuidadosamente. Além dos vestidos finos e de alfaiataria, terninhos a la Jacqueline Onassis, casacos de pele e de couro, xales e roupas estampadas compõem seu guarda-roupa habitual.

No mês passado, em mais uma viagem pela Europa, a preocupação com o figurino também não ficou para trás. Durante uma visita à Alemanha para encontrar-se com a chanceler Angela Merkel e empresários, Cristina deixou escapar à imprensa que o temporal não a pegou de surpresa, já que ela tinha levado várias capas de chuva.

O "Clarín", um dos maiores jornais do país, publicou que, após a saída da candidata de um hotel, uma comitiva de assessores a seguiu com cabides de roupas, cada uma em uma capa diferente, denunciando as marcas famosas.

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