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Dois fatos de notável relevo social e jurídico foram cobertos pelos meios de comunicação do país e do exterior na última semana. Embora distintos quanto à natureza e forma de aparecimento, eles guardam, não raro, certas conexões. Funcionam como vasos comunicantes.

De um lado está o fenômeno da lavagem de dinheiro e, de outro, o terrorismo político. O primeiro consiste na "legalização" do dinheiro oriundo de conduta fraudulenta no mercado financeiro pela aquisição de bens móveis ou imóveis ou da abertura de contas bancárias fantasmas. O segundo é caracterizado pela violência sistemática de indivíduos ou grupos contra pessoas e coisas provocando o terror para a conquista do poder estatal.

No recente encontro de Vitória (ES), reunindo autoridades federais que apuram ilícitos financeiros, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, fez dois claros e sensatos pronunciamentos: o primeiro, de que não iria "manchar a biografia", deixando à margem da investigação qualquer pessoa ou grupo comprometido; o segundo, de que é necessário garantir a presunção de inocência dos investigados.

O evento, com representantes de 30 órgãos do Executivo e do Judiciário, discutiu estratégias de combate à lavagem de dinheiro. Os crimes relacionados a esta prática estão descritos na Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, e se caracterizam pela ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores, provenientes, direta ou indiretamente de certos crimes graves como o tráfico de drogas, o terrorismo e o contrabando de armas.

Há dois meses, o procurador-geral requisitou da Receita Federal uma auditoria contábil de partidos políticos. A iniciativa surgiu após a colheita de amostras de incompatibilidade entre os números registrados na contabilidade e a movimentação financeira das agremiações. Os trabalhos revelam que a investigação é complexa e, segundo o chefe do Ministério Público Federal, não envolve somente transferências de dinheiro do chamado caixa 2. No mesmo evento, o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos defendeu a adoção de um sistema de acompanhamento financeiro de "pessoas politicamente expostas", a partir de regras determinadas pelo Banco Central. Em outras palavras: autoridades e parlamentares seriam submetidos a uma espécie de monitoramento quanto à sua evolução patrimonial, fontes de renda, aquisição de bens, etc. Bastos acentua que essa ação preventiva é utilizada por outros países em várias partes do mundo.

O outro acontecimento, muito relevante para a ordem internacional, consistiu na decisão da Câmara dos Lordes revertendo julgamento da Corte de Apelações da Inglaterra do ano passado que havia aprovado o uso de provas obtidas ilicitamente no exterior desde que autoridades britânicas não estivessem envolvidas no episódio. A sentença da conservadora instituição, que reúne competência legislativa e judicial, foi comemorada por ativistas de Direitos Humanos porque beneficiou oito supostos terroristas que estavam presos há vários meses sem acusação formal. Os magistrados britânicos salientaram dois aspectos essenciais: 1.º) O Reino Unido tem a obrigação positiva de fazer valer o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita, assim considerada a tortura para obter confissão; 2.º) O princípio do due process of law (devido processo legal) é uma das conquistas da cultura e da civilização que não pode ser desprezado.

O terrorismo político deve ser repudiado porque sacrifica civis inocentes para a conquista do poder. O sistema legal brasileiro é necessariamente rigoroso contra esse tipo de violência total declarando-a crime he-diondo e insuscetível de fiança, graça e anistia. Mas o rigor da punição para o delinqüente não lhe retira as garantias de defesa. Entre elas, a proibição da tortura e o devido processo legal.

René Ariel dotti é advogado e professor universitário. Foi membro da comissão de redação do projeto que se converteu na lei n.º 9.613/98 (lavagem de dinheiro).

E-mail: rene.dotti@onda.com.br

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