Plenário do STF analisa validade de prisão após condenação em segunda instância.| Foto: Nelson Jr./STF

A decisão do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância é resultado de uma postura unânime da corte. A afirmação parece equivocada? Parece, mas não é.

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Já faz algum tempo que o STF vem decidindo que o Direito pode ser algo irreal. De fato, não é de hoje que a suprema corte flerta com doutrinas utópicas como aquelas que acreditam no poder de um pequeno grupo iluminado – ora de juízes, ora de experts – dizer o que é o Direito. Pior, de dizer que o Direito pode ser algo autônomo, completamente apartado da realidade das coisas.

Concepções como a de que uma regra constitucional é dotada de força normativa capaz de por si só transformar o mundo ou, ainda, como a de que existem seres iluminados dotados do poder de decidir de maneira voluntarista aquilo que consideram o melhor para a sociedade, etc. estão na raiz da regra constitucional que condiciona o cumprimento da sentença penal ao trânsito em julgado do processo. Todas elas irreais.

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Existe um tipo de pensamento jurídico que acredita num Direito completamente irreal que despreza o senso comum

A irrealidade da regra constitucional em questão não parece ser tão difícil assim de ser percebida. A teoria não se sobrepõe à realidade senão como uma ilusão de ótica que logo se dissipa. Sim, porque de que trânsito em julgado a regra constitucional está se referindo? Daquele que ocorre no mundo real para os pobres ou daquele que só ocorre no mundo ideal para os ricos?

Uma criança psicologicamente saudável sabe bem como funciona no mundo real uma decisão paterna responsável. Se a criança não for rainha de um reino de desejos pessoais, a decisão paterna pode ser até questionada e confrontada; pode até ser objeto de apelação para o tribunal materno. Mas, uma vez rejeitado o recurso, só lhe resta acatar a decisão paterna depois de ouvir a contagem que parte do número um e normalmente não chega ao número três. Até uma criança sabe que no mundo real não dá para recorrer infinitamente.

Entretanto, existe um tipo de pensamento jurídico que acredita num Direito completamente irreal que despreza o senso comum. É este pensamento jurídico que está na base tanto da doutrina do neoconstitucionalismo adotado pelo ministro Luís Roberto Barroso como na doutrina do constitucionalismo “societal” adotado pelo ministro Gilmar Mendes. Ambas são doutrinas que defendem o irreal e que desprezam a sociedade como um todo.

A decisão do STF não foi proferida por uma simples maioria, mas sim pela unanimidade de um tipo específico de pensamento jurídico. O ministro Barroso foi voto vencido nesse julgamento? Não, não foi. Prevaleceu o mesmo tipo de pensamento jurídico defendido nos seus votos: o de um constitucionalismo irreal e antissocial. Só não prevaleceu o seu iluminismo pessoal. É o risco que se corre quando se quer decidir contra a realidade das coisas.

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Mas a realidade não perdoa, antes atropela. E, antes que isso aconteça, cabe aos adultos assumir a responsabilidade de ajustar o Direito à realidade. Resta saber quem vai assumir essa tarefa dentro do Estado Democrático de Direito.

Rafael Domingues é procurador do Estado do Paraná e doutorando em Direito Administrativo.