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Muito tempo atrás, o Observador Econômico e Financeiro do Rio de Janeiro, curioso de conhecer as causas da crise em que se debatiam as profissões liberais, convocou certo número de advogados e professores de Direito, propondo-lhes questões sobre “A economia da advocacia”. Assunto complexo, de vastas proporções e que ensejou inúmeras respostas sobre essa economia.

Carvalho Neto, em sua brilhante monografia Advogados – Como aprendemos, como sofremos , como vivemos, publicada em 1946, escreveu: “Calha bem nestas notas o que tange especialmente com o ensino. Disse Hermes Lima: ‘Mas a minha experiência me demonstra que o aluno, fazendo um bom curso teórico, dispõe do essencial para exercer a profissão’. Julgo que quanto mais teoria tiver o advogado jovem, tanto melhor. Não acredito em advogados que não sabem teoria do Direito”. E segue: “Pois a realidade é contristadora a este respeito. Assim quanto a advogados, especialmente estes, e esta observação é nossa, como quanto a juízes”.

Notemos, entretanto, que as Ordenações Filipinas, no que prescreviam para a formação de advogado, incluíam, além de “boa fama e consciência”, letras e suficiência...

“Nada obstante, aí ficaram e continuam, atulhando os cartórios, os temidos leguleios, como curandeiros dos males que molestam o Direito. E o são de toda casta: com título ou sem título, togados ou de paletó saco; de anel com rubi, ou pechibesque (ouro falso) de turco! Qual filoxera ( doença trazida por insetos) da profissão, repontam por toda parte, onde quer que a vinha seja descuidada... Porque lhes falte o estudo, sobeja-lhes o arrojo no estardearem as posições mais difíceis. Agem não raro em função do meio onde parasitam, na certeza de que, consoante Levi Carneiro, ‘não faltará quem admita, em certo sentido, alguma incompatibilidade entre a cultura e o êxito do advogado, e, ao menos a cultura jurídica proporciona o êxito forense; alguma vez o terá prejudicado’.”

Os signatários do manifesto não representam a classe dos advogados

Paga-se caro às vezes. “É que a justiça se acha mais ao nível, no terra a terra das chicanices de algibeira, do que no altiplano das doutrinas filosóficas.”

Galileu Cintra, escrevendo sobre a “função social do advogado” (em O Advogado, n. 1), afirmou e põe fim ao manifesto oitocentista: “Sob o aspecto econômico, presenciamos triste cena: advogados probos, de boa cultura, lutando com a miséria; e outros, sem os mesmos dotes, fruindo rendosos proventos. E quase sempre os fatores do antagonismo são as influências políticas, as relações com pessoas ricas e amizades poderosas. Portanto, motivos alheios ao exercício da profissão”.

Exemplos a granel! Quem não sabe apontar por toda parte?

Sair desse nível é inadaptar-se. Inadaptar-se é lutar contra o meio ambiente. E a grande maioria da classe dos advogados está inadaptada graças ao bom Deus. E indefesa ante estas violências praticadas. Lutam sós contra tudo e todos.

A argumentação claudicante do manifesto contra a Lava Jato divulgado dias atrás não tenta atingir somente a honra do magistrado Sérgio Moro, como também a dos tribunais que referendam e referendaram continuadamente suas decisões fundamentadas. Se algo houvesse de errado, certamente estas seriam reformadas. Os habeas corpus têm sido julgados no Supremo Tribunal Federal e indeferidos. Não existe a mínima condição de se imputar atos inconstitucionais ao referido magistrado, que respeita a lei, a ordem e os direitos individuais de quem está preso, ou em regime de prisão domiciliar.

O manifesto ensejará um desastre à classe dos advogados perante a população farta de tanta corrupção, e o tiro sairá pela culatra. Os acusados são meros traidores da pátria, pois se locupletaram com dinheiro público e não podem ficar impunes. Aqui não é o advogado que fala, mas o brasileiro farto de tantas mediocridades. Eles não representam a classe dos advogados, que são milhares a lutar pelo seu dia a dia e não são filiados a partidos políticos, ao contrário de muitos que firmaram o manifesto, isso quando não partilham de ideologias estranhas, ou então estão a justificar a condenação de seus clientes, pois muitos fazem parte da defesa de construtoras e construtores que se locupletaram. Há de se observar que muitos advogados que militam nos processos não assinaram o manifesto oitocentista, por seu título.

A argumentação do manifesto é falha, pois falta com a verdade. E, se todo juiz ou causídico é exegeta à força, como diz Carlos Maximiliano em Hermenêutica e Aplicação do Direito, o saber argumentar é que lhe dá expressão ao raciocínio, que o arma na lógica, induzindo, deduzindo, concluindo silogisticamente.

E, como dizia Sobral Pinto, é esse o terreno do dialético, com o equilíbrio das faculdades superiores da inteligência na perquirição da verdade. A dialética é o raciocínio guiado pela razão para fundar o domínio da verdade. Esta é a missão própria da advocacia que não consta do manifesto, pois o seu fundamento não é a verdade.

Há uma espécie de competição no país: o campeonato da demagogia, da corrupção e da mentira. Vemos padres demagogos, patrões demagogos, economistas demagogos, colunistas demagogos e políticos demagogos, especialmente muitos parlamentares. Há, assim, uma grande responsabilidade dos órgãos de informação, pois sabemos que muitos desinformam. Não é o caso da revista apontada pelo manifesto e não nomeada pelos seus signatários, cuja falta de coragem na hora de citar nomes por si só invalida e questiona o manifesto. Mas a revista em questão usa os instrumentos que a democracia deixa em suas mãos, com uma grande responsabilidade como órgão de informação, e não desinforma seus leitores, ou os orienta mal, de acordo com seus interesses pessoais ou patrimoniais, em desacordo com outras publicações mantidas com propaganda governamental, não se prostituindo jamais em seu cotidiano. Ela costuma dar nome às coisas, costuma chamar pelo nome os principais responsáveis – inclusive os omissos, os que não procuram mais que seus interesses imediatos, como os signatários do manifesto. A revista nunca deixará de informar a verdade, pois, repete-se, ela apenas faz uso dos instrumentos que a democracia lhe coloca em mãos.

Antonio Carlos Ferreira é advogado e escritor.
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