Teletrabalho virou uma realidade em meio à pandemia.| Foto: Bigstock
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Até o ano passado, a existência de teletrabalho era algo muito pontual. As empresas tinham resistência a adotar um home office mais relevante. O teletrabalho era marginal, pequeno e, portanto, tanto os trabalhadores quanto os empregadores não tinham uma preocupação tão relevante com os termos do trabalho a distância. Mesmo nos acordos coletivos que tinham cláusulas sobre o trabalho em casa, estas eram muito singelas, muito superficiais.

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Entretanto, com a pandemia de 2020, o home office se tornou protagonista. Algumas empresas estão inclusive fazendo downsizing e oficializando a permanência do home office em grau maior ou menor pelos próximos anos. As empresas todas estão rediscutindo a utilização do espaço físico.

Então, esta não é mais uma tendência e, sim, uma realidade. Como toda realidade, tem pontos positivos e negativos. Dependendo da dinâmica pessoal do trabalhador, é mais ou menos fácil trabalhar em casa. O que eu tenho visto pela minha experiência é que a maior parte das empresas vai adotar, assim que acabar a pandemia, um modelo híbrido, que não é 100% presencial, mas tampouco 100% remoto. Mas muitas atividades serão feitas de modo remoto.

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E um dos efeitos desta mudança repentina é o crescente número de ações trabalhistas que envolvem problemas no teletrabalho. Obviamente, faltou tempo para as empresas e trabalhadores se adequarem e se planejarem para as atividades remotas. De acordo com um levantamento realizado pelas Varas de Trabalho no país, os casos de trabalhadores reclamando das condições do trabalho em casa subiram de 46 entre março e agosto de 2019 para 170 no mesmo período de 2020. Apenas no mês de junho deste ano foram abertos 46 processos, ou seja, um crescimento de 270%.

Esses números refletem uma mudança no equilíbrio da forma de relação, algo que talvez seja vinculado neste momento à pandemia. Os trabalhadores passaram a trabalhar em casa, principalmente pela política de isolamento social e pelo temor do deslocamento no transporte público.

O home office na pandemia provocou um outro fenômeno, o da constante extensão da jornada de trabalho. Então, aquele limite de oito horas por dia de jornada acabou se transformando em jornadas mais longas de 10, 12, às vezes mais horas por dia. O trabalhador teoricamente tem de atender a todas as demandas, ainda que ocupe mais de oito horas, sem registrar em local nenhum que está avançando nesse horário.

Até por força disso surgiram alguns projetos de lei no Congresso Nacional para que se permita o controle de jornada em home office. Atualmente, o teletrabalho é uma das formas que dispensam o controle de jornada; portanto, do ponto de vista legal, é muito claro que não existe controle de jornada em home office e as demandas surgem exatamente por situações talvez de injustiça, pois há pessoas sendo demandadas muito além do que deveriam. Por exemplo, um trabalhador pode receber no mesmo dia demandas via aplicativo de mensagens pelo celular nas primeiras horas da manhã e nas últimas horas da noite.

Isso trouxe novamente a discussão sobre o direito à desconexão, que seria o direito de se desligar do trabalho, de parar de pensar no trabalho, algo que ficou mais tênue em tempos de home office. Será que um trabalhador poderia receber horas extras numa situação em que o controle existe e é possível, seja pelo envio de e-mails, login em um sistema particular ou algo semelhante? Em algumas situações este controle pode acontecer, mas precisa ser legalizado para ser revertido em horas extras.

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Um outro ponto sensível é que os acordos de home office passaram a ganhar protagonismo junto às negociações sindicais. Os sindicatos, tanto patronais como empresariais, perceberam que a regulamentação era muito singela e estão em busca de novos modelos de negociação, seja compensando o custo da adoção do home office pelos trabalhadores, seja pensando em formas de controle dessa jornada.

Uma última consequência do home office é que ele tornou o trabalho mais plano no seguinte sentido: diversas empresas estão abrindo o processo seletivo para contratar pessoas em qualquer lugar do Brasil, e isso cria alguns problemas de isonomia. Assim, há trabalhadores muitas vezes realizando a mesma função, mas cada um em uma base territorial diferente, recebendo salários diferentes, até porque o custo de vida é diferente.

Existe uma necessidade de ajuste sindical, porque esses trabalhadores têm bases sindicais diferentes e, portanto, benefícios sindicais diversos. A competitividade no mercado de trabalho vai aumentar, talvez favorecendo locais de custo de vida mais barato e prejudicando ou desfavorecendo locais de custo de vida mais alto, como, por exemplo, São Paulo e outras capitais.

Portanto, é necessário discutir novas regras e uma atualização da legislação sobre o teletrabalho. O controle da jornada e a estrutura ergonômica para o trabalhador desempenhar suas funções de forma remota são questões que devem ser discutidas de forma breve. O Poder Legislativo precisa acelerar a tramitação dos projetos que atualizam a lei vigente sobre o tema. Caso nossos parlamentarem demorem muito para alinhar novas diretrizes para o home office, o número de processos na Justiça do Trabalho crescerá vertiginosamente nos próximos meses.

Fernando de Almeida Prado é advogado trabalhista e professor universitário.

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