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Você acha que é um motorista acima da média, como a maioria das pessoas? Como se compara aos outros como pai (ou mãe)? É melhor que a média quando se trata de dançar? Qual sua capacidade de salvar a humanidade?

Grande parte do público vai responder a essas perguntas de forma incorreta porque, em alguns casos, acha que é melhor do que a realidade; em outros, que é pior.

Há tempos sabe-se que, dependendo da habilidade, a pessoa tende a se avaliar de forma incorreta. Em um famoso estudo de 1981, os pesquisadores pediram aos participantes que julgassem sua própria capacidade como motoristas – e mais de 90% se disseram acima da média.

É claro que alguns que acham que dirigem bem são bons mesmo, mas a estatística acima mostra que a tendência geral é a de inflar as capacidades na hora da comparação com o outro. Por definição, somente 50% estão acima da média.

Resultados semelhantes foram obtidos em muitas outras áreas: mais de 90% dos professores da faculdade de uma universidade estadual se consideraram acima da média; mais de 30% dos engenheiros de uma empresa assumiram fazer parte dos 5% dos melhores.

Estudos como esses levaram os cientistas sociais a concluir que as pessoas sistematicamente exageram suas próprias capacidades, pois têm o que os pesquisadores chamam de “superioridade ilusória”.

As pessoas sistematicamente exageram suas próprias capacidades

Mas a história não para por aí: estudos mais recentes descobriram exemplos nos quais as pessoas tendem a subestimar as próprias capacidades. Um deles concluiu que a maioria se achava pior que a média para se recuperar da morte de uma pessoa querida; outro mostrou que, no geral, o pessoal pensava ser muito ruim andando de monociclo. Nesse caso, o que existe é uma “inferioridade ilusória”.

Mas quando é que a pessoa tem mais chance de se avaliar excessivamente bem? E o contrário, achando-se pior do que realmente é?

Um dos autores deste texto realizou uma pesquisa sobre o assunto. Spencer e seus colegas conduziram uma pesquisa sobre esse tópico usando o Positly, plataforma nova que permite aos estudiosos realizar um grande número de trabalhos com rapidez. E, em vez de perguntarem aos entrevistados sobre seu nível de habilidade em algumas atividades apenas, pediram uma autoavaliação de aptidão em cem delas.

Para cada uma, a pessoa tinha de se comparar aos outros participantes de mesma idade e gênero e que moravam na mesma área. O fato de se achar superior a mais de 50% deles sugeria um excesso de confiança sistemático; já o contrário poderia indicar falta de autoconfiança.

Houve grandes variações: por exemplo, em média, os entrevistados se consideravam melhores que 75% do resto na capacidade de utilizar o computador, mas somente a 32% na habilidade de tricotar um suéter.

Além disso, superestimaram a própria eficiência em evitar ser passado para trás em um golpe, ganhar um concurso de curiosidades ou abraçar, mas a subestimaram em relação à previsão de um evento esportivo, ganhar uma briga ou dançar.

João Pereira Coutinho: Disforia de gênio: uma introdução (publicado em 26 de maio de 2018)

Leia também: A falta de letramento científico e ético enfraquece nossa sociedade? (artigo de Willyans Maciel, publicado em 20 de maio de 2018)

A seguir, a equipe, que trabalha com Spencer no ClearerThinking.org, analisou as características comuns às habilidades em relação às quais havia excesso de confiança – e, para isso, pediram a um segundo grupo que avaliasse as cem atividades em 21 aspectos. Perguntaram, por exemplo, se a habilidade exige muita sorte, se o fato de não ser muito bom nela causaria constrangimento ou se normalmente era realizada por especialistas.

Quatro fatores previam consistentemente excesso de confiança: primeiro, as atividades que refletiam a personalidade ou o caráter, e isso ajudou a explicar quem se supervalorizava em questões que envolviam ética, confiabilidade em matéria de amizade e valor como ser humano.

E, uma vez que muita gente se sente pressionada a seguir as normas de gênero, isso também ajuda a explicar por que homens e mulheres tendem a ser excessivamente confiantes em relação a práticas diferentes. Entre as cem atividades testadas, os homens se mostram presunçosos na comparação com outros homens notadamente nas tarefas estereotipicamente masculinas, como jogar pôquer, consertar uma cadeira e compreender ciência; já as mulheres se comparam com bem menos confiança a outras nesses mesmos quesitos.

Em contrapartida, elas se sentiam mais confiantes em relação às outras quando se tratava de entender os sentimentos alheios, preparar uma boa refeição e educar os filhos, tarefas nas quais os homens se sentem menos confiantes entre si.

Uma curiosidade: o homem médio se achou em melhores condições que 63% de seus pares para sobreviver a um apocalipse zumbi; a mulher média ficou em 47%.

Os pesquisadores notaram que as pessoas revelam excesso de confiança quando a tarefa é considerada simples

Outro fator que previa excesso de confiança é quanto o nível de habilidade é uma questão de opinião, ou seja, dê às pessoas mais espaço de manobra para que definam a habilidade e elas tenderão a se valorizar mais. Entretanto, elas se revelam menos autoconfiantes na avaliação da própria inteligência (um tanto subjetiva) do que no desempenho em um teste de QI (supostamente mais objetivo).

A seguir, os pesquisadores notaram que as pessoas revelam excesso de confiança quando a tarefa é considerada simples (como descascar legumes), e falta dela quando a ação é vista como complicada (como recitar o alfabeto de trás para a frente).

Também dá para ver claramente o efeito do grau de dificuldade no excesso de confiança quando se trata de levantamento de pesos. Em média, os entrevistados se acharam superiores a 71% dos outros participantes quando se tratava de 4,5 kg; 64% para 13 kg e 55% para 22 kg.

Outro fator que influencia o nível de confiança é a experiência, ou seja, quanto mais experiente a pessoa, mais ela se sente capaz – no caso da pesquisa, a presunção foi alta quando se tratou de preparar ovos mexidos, mas baixa no caso da pintura de um retrato.

Fazer algo com frequência obviamente tende a aumentar o grau de habilidade, mas a impressão que se tem aqui é a de que, nesses casos, a confiança aumenta mais rápido que a desenvoltura.

Uma das implicações dessa pesquisa é que as pessoas tendem a sistematicamente subestimar sua capacidade de fazer coisas bem difíceis que nunca tentaram antes – com exceção (notável) da avaliação masculina de sua competência para lidar com o apocalipse zumbi.

Nossas convicções: O poder da razão e do diálogo

Leia também: O erro de Narciso (artigo de Francisco Escorsim, publicado em 6 de maio de 2014)

As pessoas em geral depositam muita confiança em sua capacidade de dirigir (na nossa amostragem, elas se acharam melhores que 66% em média), mas por alguma razão também apostam muito em si mesmas quando se trata de dirigir sobre o gelo, algo que é mais difícil e ocorre com menos frequência. O mesmo vale para pilotar um carro de corrida (42%), algo que é extremamente difícil e a grande maioria nunca tentou.

Nessa categoria de grau de dificuldade e pouca frequência, as pessoas se subestimaram em tarefas como participar de uma maratona, fazer um bilhão de dólares e salvar a humanidade.

O que essa pesquisa nos diz sobre a natureza humana? Alguns trabalhos anteriores apresentavam o ser humano como uma criatura comicamente pretensiosa, concluindo que a maioria anda por aí falsamente convencida de ser melhor que os outros; já a pesquisa atual faz um retrato mais complexo.

Claro que há sempre aquele que se ilude achando que é melhor que os outros em qualquer coisa, seja fácil ou difícil, mas o fato é que é natural se sentir tímido ou duvidar da própria capacidade quando é preciso fazer algo difícil ou inédito. Nós nos subestimamos quase que automaticamente quando se trata de sair da zona de conforto.

Spencer Greenberg é matemático e fundador do ClearerThinking.org. Seth Stephens-Davidowitz é economista, autor do livro “Everybody Lies: Big Data, New Data, and What the Internet Can Tell Us About Who We Really Are”.
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