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A quem interessa uma advocacia forte e respeitada?
| Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

Na última terça-feira, 24 de setembro, uma causa fundamental da advocacia foi vencida democraticamente, por via parlamentar. O Congresso Nacional derrubou o veto do presidencial ao artigo da Lei de Abuso de Autoridade que criminaliza a violação das prerrogativas da advocacia.

Com a decisão, passa a ser punível, com multa e detenção de até um ano, violar os direitos de advogados previstos no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). O veto foi derrubado na Câmara dos Deputados com o voto de 313 parlamentares (eram necessários 267 votos). No Senado, 56 senadores chancelaram a manutenção da criminalização das prerrogativas na lei (eram necessários 41 votos).

Diferentemente do discurso feito por setores da Magistratura e do Ministério Público (MP), a nova lei não vem para enfraquecer o Poder Judiciário. Essa análise de enfraquecimento parte de uma visão deturpada de que a advocacia não compõe a administração da justiça.

A advocacia é essencial, pois justiça somente se faz, como diz a Constituição, respeitando a ampla defesa do cidadão e o devido processo legal. Não é possível fazer justiça sem advogados. E os advogados estão sempre ao lado da sociedade, porque a lei outorgou à advocacia o múnus público de promover a sua defesa. A advocacia fala pelo cidadão. Para que o leitor bem compreenda, via de regra, nos processos, há alguém responsável pela acusação (é o MP), há alguém responsável pela defesa (é a advocacia) e há alguém responsável por julgar (é o juiz). O equilíbrio de forças entre esses três agentes é fundamental, para que se promova justiça verdadeira e de qualidade.

Justiça somente se faz, como diz a Constituição, respeitando a ampla defesa do cidadão e o devido processo legal

Por isso, antes de direitos dos advogados, as prerrogativas da defesa são do cidadão. É ele quem deve ter protegido o direito de ter um advogado que possa falar em seu nome de maneira livre, sem receio de desagradar a qualquer autoridade, sem ser censurado; é ele quem deve ter protegido o direito de falar sigilosamente com seu defensor, sem ser interceptado pela polícia; é ele quem deve ter resguardado o direito de entregar ao seu advogado documentos necessários à defesa, sem que tais documentos sejam alvo de busca e apreensão infundada pela acusação; é o cidadão quem tem o direito de acionar seu advogado, assim que tiver privada sua liberdade e de entrevistar-se imediata e reservadamente com seu defensor; é do cidadão o direito de conhecer imediatamente e de forma integral qual o teor da acusação que pesa contra ele e quais são as provas utilizadas nessa acusação.

Por isso, se a advocacia celebra com gáudio o desfecho de sua luta histórica, também deve a sociedade compreender que o fortalecimento da classe implica diretamente na sua proteção contra medidas que, às vezes, podem ser arbitrárias.

Diz a Constituição, no artigo 5.º, LIV, que ninguém perderá seus bens, nem sua liberdade, sem que antes haja um devido processo legal. Essa é uma garantia histórica do povo, nascida em 1215, na Carta Magna inglesa, conhecida como Carta de João Sem Terra. É também uma garantia consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Só há devido processo legal quando a defesa é respeitada em seus espaços e pode exercer na plenitude o direito de petição, de argumentação, de produção de provas, de conhecimento prévio e integral da acusação e de obtenção de um julgamento por autoridade imparcial.

Então, com a lei que protege as prerrogativas da advocacia e estabelece que quem as viola comete crime, é a sociedade quem mais tem a ganhar. Sim, negar a ampla defesa e o devido processo legal é um crime. Um crime contra o direito fundamental do cidadão de defender-se plenamente. Trata-se, portanto, de preservar e garantir o direito do cidadão diante de eventual abuso da força por um agente do Estado.

Cercear a defesa, impedindo a livre atuação da advocacia, deve, sim, receber reprimenda penal, pois essa talvez seja a face mais cruel do abuso de autoridade contra o povo, na medida em que o deixa indefeso naquilo que há de mais relevante dentre os valores individuais, a liberdade.

Doravante, a autoridade que impedir o exercício pleno da advocacia, que violar indevidamente o sigilo das comunicações entre cliente e advogado, que promover buscas e apreensões desnecessárias em escritórios de advocacia, que negar o direito de conversa reservada e imediata a quem estiver detido, que negar o acesso imediato e total aos documentos dos processos, comete um crime.

É também relevante lembrar que quem julgará as autoridades que atentarem contra a livre e plena advocacia são os próprios juízes. Ninguém duvida do bom senso que orientará suas decisões e do cuidado que terão para não praticar injustiças.

Então, como cidadãos brasileiros, temos muito a celebrar. Haverá, doravante, um necessário reequilíbrio de forças e o resultado será a oportunidade de exercitar integralmente o direito consagrado na Constituição de ampla defesa e de oposição contra o arbítrio, por meio da advocacia.

Cássio Lisandro Telles é presidente da OAB Paraná.

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