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A bancada suprapartidária de parlamentares que sustenta a moralizadora bandeira das mordomias, vantagens, benefícios e a intocável verba indenizatória, sustentou com galhardia e veemente eloqüência a afortunada coincidência da reunião noturna da Câmara de anteontem, quando foi aprovado o reajuste dos subsídios de suas excelências no mesmo dia em que todas as atenções do país e da mídia estavam voltadas para a visita do Papa Bento XVI.

Coincidência? A coceira da curiosidade levou à consulta ao mestre Houaiss e lá está, na quarta das cinco acepções do adjetivo a que se ajusta como uma luva à solerte manobra dos nossos sagrados representantes, ou dos representantes de 1,1% da população: "Ocorrência de eventos que, por acaso, se dão ao mesmo tempo e que parecem ter alguma conexão entre si".

A novela do reajuste dos subsídios é a mais defensável das muitas jogadas bruscas nas peladas do campeonato do vale-tudo para garantir a boa vida dos mais folgados parlamentares do mundo. Para os lanzudos que se dão ao desfrute da semana útil de dois a três dias, das terças às quintas-feiras, e ao privilégio de passar o fim de semana com a família, nas suas bases eleitorais – com passagens pagas pela Viúva e a ajuda de R$ 15 mil mensais para o ressarcimento das despesas nas folgas, mediante a apresentação de recibos – o aumento de 28,5% dos subsídios que sobem de R$ 12,7 mil para R$ 16,5 mil mensais é apenas um detalhe. E é a única parcela realmente defensável no rol das peças íntimas, que inclui imaginosas astúcias como a verba de gabinete de R$ 50.815,62 para contratar de 5 a 20 assessores entre amigos, cabos eleitorais e cupinchas; os R$ 3 mil de auxílio-moradia para os que detestam Brasília, recusam os apartamentos funcionais e preferem pagar duas a três diárias semanais nos hotéis em que se albergam e ainda sobra um troco; cota de gastos equivalente a R$ 6 mil na gráfica da Casa para a impressão da obra parlamentar até dos que não abrem a boca e não apresentam um único projeto e, para o fecho dourado, R$ 4.268 da cota postal e telefônica de senadores e deputados.

Somem e confiram que passa dos R$ 100 mil mensais o que o parlamentar fatura por dois a três dias de presença por semana.

Mas, com boa vontade e sem implicância, pode ser examinada a justificativa de uma demonstração de pudor a escolha do dia e hora para a tantas vezes adiada aprovação do aumento dos subsídios, a mixaria no bolo estufado do custo dos nossos dedicados representantes.

Certas coisas reclamam o recato do pudor. Em verdade, de pouco adiantou o truque. E por culpa dos deputados que não se contiveram na aflição de aprovar tudo às carreiras, em votação simbólica. Os ânimos esquentaram o cruzamento de ofensas e acusações, dissolvidas na confraternização dos lucros sem perdas.

A propósito: no embalo, a Câmara aprovou o aumento dos vencimentos do presidente, do vice-presidente da República e dos ministros de Estado na mesma proporção. O que, no reverso, denuncia a bagunça em que enrolam os três poderes ante o despropósito dos R$ 11,4 mil dos vencimentos do presidente e R$ 10,7 mil dos 37 ministros e secretários do monstrengo inchado do modelo em vigor.

Noves fora as mordomias. Mas, já é outra história.

Coincidência mesmo, sem maroteira, é entrega à Justiça, no mesmo dia da chegada do Papa Bento XVI, do inquérito da Polícia Federal sobre as investigações do acidente como Boeing da Gol, com o indiciamento dos pilotos do jato Legacy, os americanos Joe Lepore e Jan Paladino como responsáveis pelo desastre..

Na véspera, a CPI do Apagão Aéreo da Câmara, controlada pela ampla maioria governista, aprovara a agenda do despistamento com o início das investigações sobre o acidente com 154 mortes.

A CPI vai investigar o quê?

Ora, qualquer coisa, desde que não dê em coisa nenhuma.

Villas-Bôas Corrêa é analista político.

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