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Alla Salute! O aperitivo italiano está de volta
| Foto: Pixabay

Minha juventude não soube o que era aperitivo. Eram os anos 70 e estávamos concentrados nas discotecas, em beber cerveja quente na praia, em passar as noites em claro com os amigos e uma garrafa – ou mais – de vinho barato. Não tinha muita frescura. O aperitivi, drinque tradicional tomado antes do jantar que abre os trabalhos etílicos da noite, era para os mais velhos: meus pais, tios e tias. E, geralmente, só em ocasiões especiais.

Quando tínhamos convidados, porém, nossa sala de jantar milagrosamente se enchia de garrafas de líquido de cores brilhantes e nomes engraçados: Aperol, Campari, Negroni, Carpano, Fernet Branca. Em um comercial de tevê do Cynar, que tem gosto de alcachofra, um ator bebericava seu aperitivo sentado no meio de uma rotatória movimentada, e ainda exclamava: "Protege contra as atribulações da vida moderna!" A marca mais popular de vermute era a Punt e Mes, que significa "um ponto e meio" (um de sabor doce, meio de amargo). Aos 20 anos, eu preferia morrer a pedir uma dose da bebida. Nenhuma garota jamais falaria comigo.

O aperitivo – hábito de beber com amigos no início da noite – na verdade foi importado dos EUA e do Reino Unido, países que ditaram a maioria das tendências sociais italianas da primeira metade do século 20. Em 1963, Paolo Monelli, em seu livro Optimus Potor, ossia il vero bevitore ("O verdadeiro beberrão"), escreveu: "Espalhou-se rapidamente na Itália, nos últimos 30 anos, principalmente depois da guerra, o costume de oferecer bebidas alcoólicas feitas de ingredientes diferentes, geralmente conhecidas como 'coquetéis'." O fascismo, que governou a Itália de 1922 a 1943, odiava esse costume burguês importado dos norte-americanos e britânicos, na época seus arqui-inimigos, e trocou seu nome para "bevanda arlecchina" (a bebida arlequim) ou "polibibita" (multidrinque). A estratégia não deu certo; logo que Mussolini saiu, os coquetéis – e seus nomes – voltaram com força total.

Assim, as décadas de 50 e 60 foram, sem dúvida, mergulhadas em aperitivos, especialmente entre as classes média e alta; então veio a trégua dos anos 70 e 80, quando minha geração, rebelde, preferiu viagens, música e sexo em vez de ficar sentada com uma bebida na mão. Aos poucos, porém, conforme fomos envelhecendo, a prática foi voltando e levando a melhor sobre a sede da nova geração iconoclasta.

Se quiserem desfrutar da Itália, têm de descobri-la sozinhos, confiando na sua própria sorte e no instinto

Em resumo: o aperitivo, que deve ser tomado entre as 7 e as 9 da noite, é para todo mundo, e está em todo lugar, norte e sul, cidades e balneários, entre os millennials e, vejam que interessante, seus pais (os avós nunca deixaram de tomar).

A Itália, neste verão, é um imenso bar: o pessoal de 20 e poucos fica discutindo seus drinques favoritos, toma vinho com as refeições e se mantém longe das casas noturnas, que estão em declínio. Como resultado dessa nova tendência de socialização caseira, os acidentes de carro fatais entre os jovens passaram a ser menos assíduos. Os millennials estão bebendo mais, é verdade, mas dirigindo alcoolizados com menos frequência.

O aperitivo também se tornou a nova base da vida pública italiana, pois oferece várias vantagens nos restaurantes e reuniões sociais: não obriga casais que estão se conhecendo nem grupos de amigos a passar a noite inteira juntos; tem um preço razoável (entre cinco e dez euros); e é servido nos mais diferentes formatos. Tem o aperitivo "rinforzato" (reforçado), quando se paga um pouco a mais para acompanhar as bebidas com alguma comidinha leve, e o "apericena" (aperitivo-cena, ou aperitivo com o jantar), quando o drinque acompanha pratos substanciosos.

Cada vez mais, os jovens italianos falam de harmonização (aparentemente o gim-tônica vai bem com o carpaccio de atum) e nossos visitantes britânicos e norte-americanos mais velhos se ressentem disso, pois afirmam que o aperitivo deve ser consumido puro, sozinho, para que se tenha o benefício integral de sua força etílica. Eles se esquecem de que nós, italianos, geralmente não queremos ficar bêbados, mas sim nos divertir juntos.

Certos drinques são mais populares que outros. Da mesma forma que o cappuccino é uma necessidade matinal (depois das 11 é considerado imoral e depois da refeição, quase ilegal), o prosecco virou a marca registrada dos fins de tarde. E está em todo lugar, como uma forma de democracia líquida que reúne gerações diferentes e apresenta o pessoal local aos recém-chegados. É também a base do spritz, aperitivo superpopular originado na região de Veneza, que consiste em prosecco, Aperol ou Campari (ultimamente podem ser os dois) e um pouquinho de água com gás (o nome vem do alemão "spritzen", que significa "borrifar").

A região de Trentino e Franciacorta, na Lombardia, produz um vinho espumante de qualidade muito superior, mas as principais marcas – Ferrari, Bellavista, Ca' Del Bosco e Berlucchi – não conseguiram encontrar um nome comum (não podem usar "champanhe", pois a França não permitirá jamais); assim, não conseguiram alcançar a mesma dominância global do prosecco.

Se isso faz da Itália contemporânea uma sociedade spritz baseada no populismo prosecco? Ainda não, mas nem tudo é calmaria na frente culinária e de vinhos, na qual a Itália é uma superpotência, ao lado da França. Sem dúvida, é cada vez maior o número de políticos posando com um copo na mão em suas saídas veranis. E qual é o melhor lugar para testemunhar a nova encarnação de um hábito tradicional que ganhou roupagem moderna? Bom, você pode tentar Jesolo, perto de Veneza e um dos balneários costeiros mais badalados do país; ou Milano Marittima, onde o vice-primeiro-ministro e populista-mor da Itália, Matteo Salvini, recentemente atacou de DJ na praia, ao lado de jovens de roupas de banho reveladoras, dançando ao som do hino nacional. Ou talvez valha a pena ser mais comedido e ir a um dos milhares de bares adoráveis e movimentados que se espalham pelas cidades, praias, montanhas e colinas, lagos e rios da Itália.

Seria errado dar quaisquer outras dicas. Mario Soldati (1906-1999), o primeiro autor a levar a comida e a bebida à tevê italiana, disse o seguinte em um de seus contos (Il vino di Carema): "Vivo dizendo aos meus amigos estrangeiros que, se quiserem desfrutar da Itália, têm de descobri-la sozinhos, confiando na sua própria sorte e no instinto, como dita uma das ótimas leis nacionais: 'Tudo que leva título, nome e propaganda vale menos do que o desconhecido, o escondido, o individual'". Brindo a essa máxima. Ou melhor, alla salute!

Beppe Severgnini, editor do Corriere della Sera.

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