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Desconhecer as teorias e as leis econômicas contribui para o mau gerenciamento do sistema e retarda o desenvolvimento social

Em entrevista a uma rádio afirmei que crescimento econômico é condição necessária para a melhoria do bem-estar da população, mas não é condição suficiente. Um ouvinte achou estranho e perguntou: "Se crescimento é aumento do bolo, não existe uma fatia maior para cada habitante?" Respondi que sim, que ele estava certo. Porém... sempre há um porém! Marx dizia que "se a essência e a aparência dos fenômenos fossem iguais, a ciência seria desnecessária". Vamos aos fatos.

Se a produção anual é de 2 mil e a população é composta de 200 pessoas, a fatia média por habitante é igual a 10. Se a produção sobe para 2.200 e a população fica estável, a fatia média sobe para 11. Caso estivéssemos falando de uma pizza de 2 mil quilos para uma família de 200 bocas, o crescimento da pizza para 2.200 quilos geraria necessariamente um aumento do bem-estar médio. Assim, nosso ouvinte estaria coberto de razão, e eu, errado.

Porém a economia de um país é algo mais complexo do que isso. A produção anual da nação (o tal Produto Interno Bruto, ou PIB) é expressa em valores monetários, que resultam da multiplicação de tudo o que se produz pelos preços dos bens e serviços produzidos. Expliquei isso ao ouvinte, ao que ele redarguiu: "Mas isso em nada muda meu raciocínio. A fatia média continua aumentada". É verdade, porém, duas questões precisam ser adicionadas ao problema. Uma é saber qual é a composição do PIB. Outra é identificar quais bens e serviços foram aumentados e quais não foram.

Imaginemos que o PIB do país cresça 10% de um ano para o outro. Mas, ao decompor o produto e seu aumento, percebemos que a produção agrícola caiu 8% e os produtos que aumentaram foram: presídios, caixões funerários, serviços de enterros, balas de revólver, pólvora de fuzis, aviões particulares para os políticos. Descobrimos, também, um fato inusitado: torcedores do time azul construíram uma vila residencial e torcedores do time amarelo construíram bombas; como eles brigaram, os torcedores amarelos jogaram as bombas sobre as casas dos torcedores azuis. Não é preciso ser economista para ver, por esses exemplos, que a produção aumentou, mas o bem-estar do povo não.

Pois bem, as duas variáveis mais importantes para medir o bem-estar médio são: a) quais bens e serviços tiveram sua produção aumentada? b) qual o destino dos produtos? Imagine um país vítima de grave epidemia, que matou um terço de seus habitantes e teve grande aumento na produção de caixões, serviços funerários e construção de cemitérios. Num primeiro momento, o crescimento do produto nesses itens provoca aumento do produto geral, mas isso não leva à melhoria do padrão de vida do povo.

A Europa passou por tal situação no século 14. Na época, 25 milhões de pessoas (1/3 da população) morreram por causa da peste bubônica e, de repente, a sociedade teve de trabalhar mais e produzir mais para enterrar os mortos e limpar a região. O padrão de vida médio não melhorou por causa disso. Melhorou anos depois, por outras razões.

Esse assunto me faz lembrar o seriado "O bem-amado". Em certo momento, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, apresenta sua mais importante obra municipal: um novo cemitério. Naquele momento, a contabilidade econômica registrou crescimento do PIB da cidade. A pergunta é: aumentou o bem-estar da população? Claro que não. Temos vários Odorico Paraguaçu dirigindo municípios e estados por esse Brasil afora, fazendo coisas que não melhoram o bem-estar da população, apesar de entrarem na conta do aumento do PIB.

Duas conclusões podem ser derivadas dessas historietas: uma, que a Economia é uma ciência; outra, que desconhecer as teorias e as leis econômicas contribui para o mau gerenciamento do sistema e retarda o desenvolvimento social. Existe uma teoria conhecida como "sintonia fina", que é a forma pela qual o governo administra os detalhes e as entranhas do sistema econômico. Por isso, não dá para aceitar que as autoridades encarregadas de gerir a economia e os políticos encarregados de legislar sobre ela continuem não entendendo nada, ou quase nada, do assunto.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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