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Manifestações durante feriado são programadas em Brasília e capitais
Apoiadores de Bolsonaro se concentram todos os dias em frente ao quartel do Exército, em Brasília, em protesto contra o resultado da eleição presidencial.| Foto: Renan Ramalho/Gazeta do Povo

Uma cláusula constitucional por si não tem o poder de proibir a intervenção das Forças Armadas. Qualquer cláusula da Constituição pode ser violada, seja a que garante os direitos de propriedade, seja a da licença maternidade. Os obstáculos legais não inviabilizam golpes de Estado; apenas se tornam mais difíceis de realizar.

Se não houvesse obstáculos, as tentativas de golpe sem risco de punição seriam itens obrigatórios na lista de possibilidades de ação. Como eles existem, os militares têm de escolher entre respeitar a Constituição, sem correr nenhum risco de punição, e dar golpes de Estado, sob o risco de passar vários anos na cadeia.

As Forças Armadas são baluartes da lei e da ordem definidas por elas mesmas, não importando a opinião do presidente da República ou do Congresso Nacional.

A importância da redação do artigo 142, cujo cerne é similar ao de constituições anteriores, levou o general Leônidas Pires Gonçalves a ameaçar zerar o processo constituinte de 1987 caso não fosse reintroduzindo o papel das Forças Armadas de garantidor da lei e da ordem (que ordem? Comum ou constitucional?). Os constituintes se curvaram ante a ameaça. Fizeram mudanças perfunctórias para tentar disfarçar o recuo. Antes as Forças Armadas vetaram uma Assembleia Constituinte “pura” somente aceitando um Congresso Constituinte.

A importância castrense na aprovação deste artigo 142 não ficou apenas nisto. Foi montado um lobby militar composto de treze oficiais superiores, com escritórios permanentes no Congresso, e recursos das Forças Armadas foram utilizados para convencer os congressistas a defender os interesses os militares. Pode-se citar, por exemplo, a utilização de aviões militares para levar constituintes a visitas em dependências militares. Em nenhum momento está escrito que as Forças Armadas são o poder moderador. A disputa era para ser poder interventor autônomo por serem garantidores da ordem política. Quem garante é quem decide, em última instância, o que fazer.

São os militares que têm o poder constitucional de garantir o funcionamento do Executivo, Legislativo e Judiciário, a lei e a ordem quando deveria ser o reverso. Ou seja, as Forças Armadas são baluartes da lei e da ordem definidas por elas mesmas, não importando a opinião do presidente da República ou do Congresso Nacional. Portanto, cabe às Forças Armadas o poder soberano e constitucional de suspender a validade do ordenamento jurídico, colocando-se legalmente fora da lei.

O artigo 142 foi copiado tanto pela constituição pinochetista como pela sandinista. Com a morte de Pinochet, os chilenos aboliram este artigo da sua nova Constituição. Este entulho autoritário, todavia, permanece ainda intacto no Brasil. E há gente que ache o artigo 142 inocente.

Jorge Zaverucha é doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e Professor Titular do Departamento de Ciência Política da UFPE. 

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