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Nestes primeiros dias do ano de 2019, o início do mandato dos novos representantes do poder Legislativo, estadual ou federal, ocorre de maneira extremamente tumultuada, com uma trama que envolve períodos de clímax e anticlímax. Uma transição que geralmente ocorre de maneira cadenciada, ordenada, com discrição e coordenação, foi modificada com a nova eleição, sob o slogan “É a Nova Era! Acostume-se com a Nova Política”.

Uma boa história geralmente tem, em sua narrativa, a gradação dos fatos, a explicação dos personagens e a interação da história, para que a trama se desenvolva e possa assumir como narrativa envolvente e interessante. O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, obra magnífica de J.R.R. Tolkien, por exemplo, tem uma introdução longa e específica da história, não há uma batalha final contra Sauron em Mordor; os personagens demoram anos até o desfecho e seu clímax.

No caso dos eleitos do Partido Social Liberal (PSL), logo nas primeiras reuniões já ocorreram discussões on-line dignas de brigas de família no WhatsApp, com a diferença de que todos souberam das birras, intrigas e grupos de poder formados no microcosmo bolsonarista. Tudo isso ainda no primeiro ato; se estivéssemos em Hamlet, de Shakespeare, o príncipe da Dinamarca já duelaria com seu padrasto Cláudio no início da trama.

A ausência dos deputados do PSL permitiu que outros grupos construíssem uma sólida e heterodoxa miríade de partidos em aliança

Estes trejeitos da “nova política” denotam, para o campo da unidade partidária, a imagem que tais parlamentares refletem perante seus pares e que não há desígnio de objetivos altruístas, muito pelo contrário: há uma tênue fibra que os une, e é só.

Outro episódio digno de nota ocorreu durante as tratativas para eleição da presidência da Câmara dos Deputados. Normalmente, o partido do presidente eleito, a partir do resultado das urnas, já inicia as conversas para a formação da frente partidária que elege a presidência da Câmara e do Senado por uma razão simples: os parlamentares do partido e da base de apoio do candidato eleito sabem que precisam formar um governo e dar-lhe sustentação legislativa. Mas, em tempos de “Nova Ordem”, não foi o que ocorreu; tão logo veio o resultado das urnas, ainda no primeiro turno, os parlamentares federais eleitos trataram de resolver seus interesses e abandonaram as conversas para compor o grupo que disputaria as eleições para o comando da Câmara e do Senado. Alguns foram ajudar seus governadores, outros fizeram viagens ao exterior, houve aqueles que decidiram fazer vídeos no YouTube.

Com o crepúsculo das eleições, eles descobriram que precisavam participar da eleição das respectivas Mesas Diretoras. Mas não existe vácuo no poder: com o hiato de várias semanas sem nenhuma conversa ou reunião, a ausência dos deputados do PSL permitiu que outros grupos construíssem uma sólida e heterodoxa miríade de partidos em aliança. Como consequência, o PSL não construiu nenhuma base governista; aderiu a um projeto construído por outros partidos. Em outras palavras, eles não escolherem esse lugar: foi o que sobrou. Muitos riram com compilações de vídeos de parlamentares do PSL que antes criticavam o deputado Rodrigo Maia e agora tinham de elogiar sua candidatura e adotar um pragmatismo mais ortodoxo.

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O perigo, neste ato, decorreu justamente da forma desastrosa de realizar a negociação. Em 2 de janeiro, o presidente do PSL, Luciano Bivar, afirmou que “o assunto foi tratado hoje pela manhã e o presidente Rodrigo Maia se comprometeu a tratar de todas as agendas da campanha. Estamos em perfeita sintonia”. Após obter o apoio do PSL, Rodrigo Maia buscou o apoio do PT, expondo de maneira vexaminosa a negociação com os parlamentares do PSL, cuja “genialidade” conseguiu, como projeto magnânimo, o comando da Comissão de Constituição e Justiça.

O suposto apoio de Rodrigo Maia não se transmuta automaticamente em votos para a aprovação da reforma da Previdência. Muito mais experientes, Michel Temer e seus articuladores obtiveram a mesma garantia de Maia em um passado recente, mas sem resultados, ou seja, foram enganados. A inexperiente, atrapalhada e fracassada negociação do PSL demonstra a fragilidade de uma das maiores bancadas da Câmara dos Deputados, mostrando que nem sempre quantidade representa qualidade.

O mais recente episódio envolveu um grupo de parlamentares federais e estaduais, a maioria do PSL, convidados pelo Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista da China ainda novembro de 2018 para visitar o país asiático. “As despesas de passagem internacional, alimentação e alojamento na China serão cobertas pela parte chinesa”, garantiu o governo daquele país. Os neófitos parlamentares ficaram deslumbrados com a ideia de conhecer a China, seus pontos turísticos, a Muralha da China, o palácio da Cidade Proibida. Mas, entre passeios e o deleite das iguarias chinesas, eles conheceriam o projeto de reconhecimento facial da Huawei, empresa que tem vínculos obscuros com o poder estatal e contra a qual há inúmeras denúncias de outros países.

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Este projeto, em si, causaria arrepio até mesmo a George Orwell, pois sua aplicação é a mais variada possível, servindo a propósitos totalitários, considerando o poder que teria sobre a vida dos cidadãos. Mesmo assim, ele foi tratado com leveza pelas “lives” dos parlamentares, qualificados por Olavo de Carvalho de “caipiras”, entre outros adjetivos.

O amadorismo dos parlamentares do PSL é um perigo para o Brasil. Essas peripécias ocorreram em poucos dias de um governo iniciante. Sabe-se lá quais epopeias e aventuras ocorrerão nos próximos anos de legislatura, com atos inconsequentes que podem causar uma tragédia.

Olavo de Carvalho já disse que não é “guru”. Pois os parlamentares do PSL não precisam mesmo de um “guru”; precisam é de um pai, de alguém que os tutele, protegendo-nos de seus atos.

Juliano Rafael Teixeira Enamoto é procurador da Câmara Municipal de Sapezal (MT).
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