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Sede do Banco Central, em Brasília.
No dia 28 de outubro, houve o sexto aumento consecutivo da taxa Selic. E o Comitê de Política Monetária (Copom) não descarta outros aumentos.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

No dia 28 de outubro, houve o sexto aumento consecutivo da taxa Selic. E o Comitê de Política Monetária (Copom) não descarta outros aumentos. Ao olharmos a taxa de 7,75%, é provável que não entendamos o que isso significa na prática, mas sem dúvida os impactos são maiores do que os vistos nos rendimentos de alguns ativos financeiros indexados a juros.

Se os aumentos recentes na taxa de juros se tornarem mais atrativos do que os retornos de ativos de renda variável, corremos o sério risco de interromper a tímida recuperação econômica que vivemos.

Há vários beneficiados e prejudicados com os movimentos da taxa básica de juros; em prol da simplicidade, vou resumi-los em apenas dois grupos, o dos concessores de crédito e o dos tomadores de crédito.

O grupo dos concessores de crédito é formado por aqueles que optam por não utilizar seu excedente de dinheiro no presente para ter mais no futuro: deixam de consumir algum produto ou serviço no curto prazo para terem mais recursos no longo prazo. Com a mudança na taxa, passam a ter um retorno maior (mesmo que seja um ganho nominal. Não falaremos aqui do ganho real, retirada a inflação).

O grupo dos tomadores de crédito é formado por aqueles que utilizam recursos de terceiros para custear seus projetos. Por acreditarem que seus custos de curto prazo serão menores que seus lucros no longo prazo, assumem empréstimos sem a garantia de sucesso de seus projetos. O custo deste capital “tomado como empréstimo” é superior nesta nova taxa de juros, tornando-o menos acessível. Além disso, isso exige que o projeto em questão tenha um retorno maior, de modo a ser possível pagar o empréstimo e ter algum lucro.

De modo geral, os recursos alocados em ativos financeiros indexados à taxa Selic geram menos retorno para a sociedade em relação a recursos utilizados diretamente na economia real ou para financiar empresas no mercado de capitais. Um exemplo prático: um investidor com R$ 10 milhões alocados em uma letra financeira do Tesouro (LFT) financiará as dívidas do governo e impactará indiretamente a sociedade. O investidor terá R$ 775 mil de retorno ao ano, poderá sacar esse valor a qualquer momento e sem riscos ao longo do período. Porém, os mesmos R$ 10 milhões investidos diretamente em uma empresa, caso o investidor opte por montar o próprio negócio, impactarão diretamente a sociedade por meio da geração de dezenas, centenas ou até milhares de empregos, pagamento de impostos via IRPJ e financiamento indireto do consumo de seus empregados em outras empresas, como supermercados e farmácias. Por outro lado, na ótica do investidor que despendeu os R$ 10 milhões no empreendimento, não há retorno garantido para o recurso investido, ele não pode “resgatá-lo” caso mude de ideia, e ainda pode perder tudo se não conseguir gerenciá-lo até o sucesso.

O retorno com o menor risco possível ficou maior. E quanto mais ele aumenta, menos atrativos ficarão os negócios na economia real. Em 2016, tínhamos 14,25% de retorno ao ano no título mais conservador do país. O investidor do exemplo anterior teria ganho R$ 1,425 milhão anualmente sem precisar abrir uma empresa, sem incorrer em riscos trabalhistas e sem precisar literalmente trabalhar! Em agosto de 2020, a Selic chegou a 2% ao ano. Esse mesmo investidor teria um retorno 85% menor caso mantivesse os recursos em um ativo de baixo risco como o citado. Nesta ocasião, foi visto o maior número de brasileiros investindo em empresas de capital aberto (listadas na bolsa de valores ou não) da história.

O leitor entendeu os impactos da alta de Selic? Se não, vou direto ao ponto. Se os aumentos recentes na taxa de juros se tornarem mais atrativos do que os retornos de ativos de renda variável (sejam eles na economia real ou no mercado de capitais), corremos o sério risco de interromper a tímida recuperação econômica que vivemos, voltando a ser reconhecidos como a pátria do rentismo.

Marcus Araujo égraduado em Engenharia Química, especialista em investimentos e planejador financeiro CFP certificado, atua como assessor de investimentos credenciado à XP e é associado ao IFL-SP.

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