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O espaço aéreo brasileiro tem ou não tem os tais pontos cegos? O dinheiro para atualizar o sistema de controle aéreo foi ou não foi cortado? Por que as previsões de um instituto de pesquisa que pertence ao governo, o Ipea, de que o crescimento nacional em 2007 será de 3,5% são inferiores às do presidente Lula e de seu ministro da Fazenda que falam em 5%? Onde estão, objetivamente, as diferenças entre os métodos utilizados para chegar a um número ou outro? Todas essas perguntas nunca são clara e objetivamente respondidas entre nós e rapidamente uma enxurrada de versões, contra-versões, desmentidos, ironias e desconfiança quanto à idoneidade dos informantes toma o lugar das respostas cabais, do sim ou do não.

É fácil, por exemplo, saber se há ou não os tais pontos cegos: basta fazer o que uma equipe de televisão fez, que é entrar em um avião, passar pelo lugar onde se afirma que os radares não percebem sua presença, ver se o avião aparece na tela. Se não aparecer, é preciso explicar por que. Só que se passaram 40 dias em que a imprensa agiu como barata tonta, aliás tonteada pelas próprias incoerências das versões governamentais, para que a TV Globo conduzisse um teste tão óbvio. Agora o governo já admite que "pode ser que os haja" e em breve aceitará que efetivamente os há.

Quer o impaciente leitor saber se houve ou não corte orçamentário no sistema de controle de vôo? É mais simples ainda. Pegue-se o Orçamento Federal de 2006 e o programa de trabalho do Comando da Aeronáutica. Em seguida, compare-se o que foi aprovado na Lei Orçamentária, na Programação Financeira e o que foi efetivamente liberado para ser gasto. Nada mais que isso. Quer ainda saber o insaciável leitor em que previsões deve acreditar mais? Peça-se ao ministro da Fazenda que analise os dados do Ipea e mostre ao distinto público onde estão os erros, as subestimações, os exageros, as diferenças de critérios.

Em todos os lugares do mundo em que alguém quer realmente descobrir algo, se faz assim. Em vez de perder tempo em discussões estéreis e intermináveis, vai-se direto ao ponto. Uma demonstração é algo irrefutável, com a óbvia exceção da prestidigitação dos mágicos, mas estes não estão interessados em esclarecer e sim em mistificar. Como não passa nem de longe na minha cabeça que alguém esteja querendo mistificar alguém nessas coisas de que estamos falando, acredito que o que existe apenas é uma má condução metodológica do assunto.

O Paraná foi vítima de algo parecido na questão da febre aftosa. Saber se existe ou não ou surto de uma determinada doença não é algo subjetivo: os testes biológicos aceitos internacionalmente para saber se animais estão ou não infectados são objetivos e bem conhecidos de todos há muito tempo, as áreas suspeitas são fisicamente delimitáveis. No entanto, as autoridades estaduais e federais gastaram meses trocando desaforos a respeito da idoneidade e das intenções de ambos enquanto que o problema permanecia indefinido e, pior, não enfrentado. Mais de um ano depois, a importação de nossa carne continua proibida em 56 países.

Cada vez mais essas situações me lembram meu primo Toní (assim mesmo, com acento oxítono pois era nordestino e pobre; se fosse bem de vida, o Antonio de seu nome seria instantaneamente americanizado para "Tony"). Toní não era muito chegado aos estudos para dizer o menos. Numa prova oral de português, o professor lhe perguntou sobre a variabilidade dos advérbios. Paciente, ainda esclareceu: "Toní, advérbio tem plural? Tem feminino?". E o Toní nada. Então, a pergunta fatal: "Afinal Toní: advérbio varia ou não varia?" E meu primo no mais puro estilo tucano: "Vareia pouquim!"

Porque no Brasil as coisas nunca são uma coisa só, são um "pouquim" assim, um "pouquim" assado. Affonso Romano de Santanna diz que este é um país barroco, cheio de sinuosidades e ilusões. Mas não é um barroco glorioso como o italiano de Caravaggio e Bernini ou o holandês de Rembrandt, com sublimes curvas e contracurvas e elaborados jogos de luz e sombra.. É Barroco decadente mesmo.

P.S. Sou suspeito para falar de Celso Nascimento pois nos une uma enorme amizade, que no entanto não impede minha pura e simples admiração. Sua corajosa coluna é um ponto alto na nossa Gazeta. Como é óbvio, vai acumulando desafetos e incompreensões de muita gente que não deveria sequer merecer sua atenção, mas que fazer? Não se pode ser muito exigente na escolha dos inimigos, como diria Oscar Wilde.

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