| Foto: Pexels/Pixabay
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Lendo um excelente estudo sobre a economia da bicicleta no Brasil, me deparei com os dados de importação e exportação de bicicletas e peças do setor. A involução é flagrante, assim como o absurdo de termos tecnologia de produção e um amplo mercado interno que poderia crescer ainda mais se a ciclomobilidade fosse fomentada como política pública efetiva.

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Os dados dos países dos quais importamos e para os quais exportamos também dizem muito: a campeã de importação, sem surpresas, é a China, enquanto os países para os quais direcionamos nossa parca exportação são Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile e Angola. O que é dado suficiente para quem sabe somar dois mais dois e concluir pela importância e benefício ao Brasil do fortalecimento dos laços latino-americanos e com países da África, em especial os lusófonos, com os quais temos tanta identidade.

Não sei por quê, mas isso me lembrou da história que lia esses dias sobre Francesco Matarazzo, fundador do complexo industrial Matarazzo, que chegou ao Brasil em meio à febre do café, mas, na contramão da boiada, em vez de ir plantar café, abriu um armazém com o objetivo de comercializar banha de porco, inicialmente para consumo dos brasileiros. Aos poucos, passou a produzir as próprias latas para carne e tecido para os sacos de trigo, até o ponto de chegar a construir o primeiro porto privado do Brasil, tamanho o porte do negócio. Ele apenas não se tornou o maior industrial da América Latina, como também criou empregos mais qualificados que os da tradicional lavoura cafeeira.

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Enquanto a grande aposta do Brasil era o café para exportação, veio a crise de 29, que arrasou o agronegócio brasileiro. Matarazzo, que não tinha a vulnerabilidade de depender da exportação e não seguia a via única de um produto, não apenas não quebrou como expandiu os próprios negócios.

Voltando ao Brasil de hoje, tal como o café de outrora, o país se volta à via única do agronegócio e a grande “oportunidade” corrente é a bárbara devastação ambiental para plantação de monoculturas e criação de gado e, pior, o uso da terra como reserva de valor (para especular).

Claro que não proponho que a monocultura seja suplantada pela produção de bicicleta. O ponto é outro. O exemplo da bicicleta, como cadeia econômica, expõe a simplicidade de desenvolvimento de políticas de diversificação produtiva. Um princípio fundamental de desenvolvimento que nos é ensinado pelo exemplo da crise de 29 e de Matarazzo.

A bicicleta pode, ainda, ser pensada do ponto de vista da política pública de amplos benefícios ambientais e como alegoria de um modo de vida urbano mais sustentável. Como símbolo e exemplo, se enquadra perfeitamente no que poderia ser um grande circuito de bens de valor agregado vinculado a políticas públicas internas pautadas pelo olhar da responsabilidade ambiental.

Além da reflexão econômica ligada à autonomia, vulnerabilidade aos mercados externos e valor agregado das exportações, a discussão diz respeito à ideia que fazemos de nós mesmos e os valores que nos orientam como sociedade.

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Há de haver caminhos além do neobandeirantismo devastador. E encontrá-los é urgente.

Mariana M. Auler é coordenadora jurídica da CicloIguaçu.