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Certo dia, eu participava de um curso no qual foi aberto um debate sobre a seguinte questão: quem foi mais útil à humanidade? Bill Ga­­tes ou Madre Tereza de Calcutá? O caro leitor conhece essas duas figuras lendárias. Bill Gates é o genial fundador da Microsoft, que revolucionou a história da computação e do software, tornando-se o homem mais rico do mundo (de vez em quando ele cai para a segunda posição, cedendo lugar para o megainvestidor Warren Buffett). Madre Tereza é a religiosa que entregou sua vida aos doentes e miseráveis de Calcutá e do mundo, teve reconhecimento internacional e ganhou um Prêmio Nobel por sua abnegação em favor dos pobres.

O debate foi acalorado. Naquela época, Bill Gates já havia reservado 10% da sua fortuna de mais de 80 bilhões de dólares para si e para seus herdeiros e doado 90% para a Fundação Bill e Melina Gates. Ou seja, ele estava devolvendo à humanidade 90% de tudo que ganhou com a sua genialidade e sua empresa. Neste início de ano, Bill Gates adicionou novo ingrediente à sua prática de benemerência social. Anunciou que está doando 10 bilhões de dólares para a pesquisa e a produção de vacinas contra doenças típicas do terceiro mundo. Para aqueles que não atinam muito com o tamanho dessa doação, o governo brasileiro investe anualmente em todas as áreas algo em torno de 35 bilhões de dólares. Gates sozinho doa quase um terço disso para uma única finalidade: desenvolver e produzir vacinas para os pobres do mundo.

Com a sua insuperável capacidade de produzir as frases mais precisas e cortantes, Roberto Campos dizia, há mais de 20 anos, que "o mundo não seria salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes". O que ele queria dizer é que a bondade, a caridade e a abnegação são virtudes morais individuais dignas de aplauso e estímulo, mas, conquanto sejam desejáveis e necessárias, elas estão longe de conseguirem salvar os po­­bres do mundo. O grande economista acrescentava: "A caridade salva um homem, uma família; mas só a eficiência e a persistência de políticas públicas inteligentes conseguem salvar um povo da fome, da doença e do atraso". A caridade é uma virtude microeconômica (eficiente na escala individual), enquanto a eficiência é uma virtude macroeconômica (necessária em grande escala social).

Na linguagem humanitária existe o primeiro setor, que é o setor privado, cuja lógica é o lucro; o segundo setor, que é o governo, cuja lógica é o im­­posto; e o terceiro setor, que são as ONGs e as institui­­ções de voluntários, cuja lógica é a doação de trabalho não remunerado. A principal função do primeiro setor é empreender, investir, produzir, dar emprego, correr riscos, ter lucro e pagar impostos; é a máquina de produzir. O segundo setor tem a missão de ser o governo da sociedade, cobrar tributos e prestar serviços públicos; é a máquina de distribuir. Como o governo não dá conta da sua missão, a sociedade precisa de instituições não governamentais e, nelas, exerce a bondade e a caridade, ajudando o próximo sem exigir pagamento. Este é o setor onde Madre Tereza fez tão bem.

Minha posição no debate foi dividida em dois pontos. Em termos humanitários, Madre Tereza é um exemplo admirável de virtude e de entrega humana em favor do semelhante. É um exemplo moral a ser reverenciado. Quanto aos resultados, ou seja, o maior bem possível ao maior número de pessoas, Bill Gates é muito maior, muito mais eficiente e salvará muito mais gente do que milhares de Madres Terezas. Ademais, seu ato de doar 90% da sua riqueza para obras sociais é um sinal de que o capitalismo tem condições de humanizar-se. Se adicionarmos a esse gesto, o quanto Bill Gates pagou de impostos desde que a Microsoft existe, esse homem, sozinho, fez mais bem à humanidade do que a maioria dos governos do mundo.

Somente por esse seu ato mais recente, proponho um Prêmio Nobel para Bill Gates. Talvez, o Prêmio de Amor à Humanidade. Com isso, quem sabe os ricos do mundo resolvam imitar um pouco da atitude do homem mais rico entre todos.

José Pio Martins, vice-reitor da Universidade Positivo, é economista

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