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Um padre reza sozinho em igreja da cidade de Nice, França, em 27 de março de 2020.
Um padre reza sozinho em igreja da cidade de Nice, França, em 27 de março de 2020.| Foto: VALERY HACHE / AFP

Recentemente, o papa Francisco solicitou aos sacerdotes que prestem assistência religiosa nos ambientes de internamento coletivos aos infectados com o coronavírus a despeito de o governo da Itália ter restringindo o acesso e o contato com os infectados. E não só entre católicos, mas no meio evangélico em todo o mundo há intensa atividade de capelania que, lamentavelmente, diante do cenário de isolamento, está prejudicada.

No Brasil, a assistência religiosa de caráter remunerado ou voluntário, como um meio de apoio, fortalecimento, aconselhamento e consolação religiosa e espiritual, desenvolvido junto aos internados, seus familiares e funcionários em entidades civis e militares de internação coletiva, é garantida na própria Constituição Federal, em seu artigo 5.º, VII, que reza: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”.

O direito dos internados de receber atendimento religioso não só garante a sua liberdade religiosa, mas resguarda a integralidade da dignidade humana. A fé, ou crença religiosa, é ingrediente essencial para compreensão integral do ser humano.

Por causa do coronavírus a humanidade está vulnerável biológica e emocionalmente. Nesse cenário, percebe-se a importância da fé na promoção da resiliência. Estudos nas áreas da saúde e ciências humanas – psicologia, enfermagem, bioética, teologia e sociologia – constatam que há uma influência positiva e salutar da fé em um estado de saúde-doença. Com efeito, a fé ajuda na recuperação e no tratamento clínico. Mas, pelo lado negativo, há risco quando determinadas crenças religiosas prejudicam esse processo sobrenatural sugerindo o abandono de medicamento ou do tratamento médico, por conta da uma determinada doutrina religiosa equivocada.

A maioria dos estudos afirma que a assistência religiosa tem, sim, um papel muito importante no quadro de saúde-doença do internado-enfermo. Pois mesmo na incapacidade científica de cura de uma determinada doença é possível resguardar a dignidade humana ao enfermo proporcionando-lhe conforto, esperança e consolo. A fé para as pessoas religiosas ocupa um espaço em todas as dimensões da vida, seja social, política, econômica e cultural; tais dimensões se refletem diretamente na percepção do indivíduo sobre a sua qualidade de vida e saúde.

Nesse contexto, o Grupo de Avaliação da Qualidade de Vida da Divisão de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde assegura que a saúde é um direito de todos, sendo compreendida como sendo uma situação de completo bem-estar físico, mental e social, acrescentando-se ultimamente uma dimensão espiritual, visto que a religiosidade/espiritualidade influencia toda a vida – os valores e os comportamentos do ser humano.

Outro ponto importante em resguardar o direito à assistência religiosa nos espaços de internamento está em garantir um contexto de saúde mais humanizado. Há queixas sobre o sistema de saúde e discursos sobre políticas públicas, falta de estrutura, medicamentos, equipamentos e a escassez de profissionais específicos e qualificados, mas há também uma narrativa recorrente sobre a falta de humanização nesses serviços. Não adianta apenas ajudar a curar e a tratar as doenças, proporcionando melhor qualidade de vida e saúde, mas, de outro lado, desamparar outras dimensões humanas respeitáveis como o conforto e o controle da dor, a comunicação, os valores significativos e, especialmente, as questões espirituais e religiosas dos indivíduos.

Por fim, conclui-se que o direito à assistência religiosa aos internados, além de concretizar o direito à liberdade religiosa dos indivíduos, pode ser um fator de ajuda a proporcionar uma humanização sistêmica no âmbito da saúde, que tem entre suas principais finalidades garantir o direito de se ter saúde com dignidade, enxergando o ser humano em sua integralidade, física, mental, social e religiosa.

Acyr de Gerone é advogado, pastor, membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-PR e diretor jurídico da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). Lucas de Gerone é teólogo, filósofo, pedagogo e gestor do Instituto de Bem Estar-Solimed, em Presidente Prudente (SP).

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