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Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF| Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) completa neste ano 93 anos de existência. Como bem pontuou o atual presidente da entidade, Beto Simonetti, “a OAB sempre pautou sua atuação afastada de ideologias partidárias, tendo como norte o desenvolvimento do Estado, da sociedade e do regime democrático. Faz parte do DNA da instituição o compromisso com o povo e com os avanços sociais e econômicos do nosso país”.

Na abertura do ano judiciário de 2023, Simonetti também se manifestou no sentido de que os advogados zelam “pelas liberdades e garantias individuais, como a ampla defesa e o acesso à Justiça, que são primados do Estado democrático de direito. A defesa desses valores nos motiva a atuar contra os atos violentos e antidemocráticos que tentaram enfraquecer as instituições da República e a Constituição Federal”.

Se os demais membros do STF e o STJ nada fazem contra as decisões do Judiciário, cabe à OAB não se omitir, pois sempre teve o papel histórico de defensora do Estado de Direito.

No entanto, ao mesmo tempo em que defende o Estado Democrático de Direito, não vemos atualmente a OAB fazer nada de concreto contra as decisões judiciais absurdas, em especial do Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que estão enfraquecendo as instituições da República e a Constituição Federal, como foram nos casos, entre outros, da anulação do processo de Lula na Lava Jato; das prisões e das medidas de busca e apreensão decorrentes dos atos de 8 de janeiro, em Brasília; da cassação do mandato de Deltan Dallagnol; da decisão que fez cessar os efeitos da coisa julgada em matéria tributária, criando insegurança jurídica; da que liberou da prisão integrante do PCC condenado a 10 anos de prisão por estar de posse de 2 kg de cocaína; e da que liberou da prisão réu que estava com 311 kg de cocaína.

Recentemente repercutimos que, como fruto da operação Lava Jato, além de receber as condenações criminais cabíveis, dezenas de delatores devolveram centenas de milhões de reais aos cofres públicos e, segundo dados do MPF – Ministério Público Federal, somente nos 43 acordos de leniência fechados com empresas envolvidas em esquemas de corrupção, a recuperação total para os cofres públicos será de R$ 24,5 bilhões.

Após anos de trabalho, tudo naufragou no STF, quando os integrantes da corte encontraram “fundamentos formais” para anular o processo e com isso revogar a prisão de Lula. Agora, já como presidente, aproveitando-se da faculdade que lhe é concedida pela Constituição Federal, ele indicou seu advogado, Cristiano Zanin, para ocupar o cargo de ministro do STF, o qual poderá no futuro julgar o próprio presidente da República ou membros de sua equipe em caso de processo. Isto só ocorre no Brasil.

Deveria prevalecer o preceituado em nossa Constituição Federal, que é pautada em princípios jurídicos que não estão sendo respeitados.

No caso das decisões decorrentes do episódio de 8 de janeiro, pessoas que participaram estão presas sem terem passado pelo devido processo legal e seus bens foram bloqueados sem muita fundamentação. E o que é pior: bloqueios de bens e dinheiro, apreensão de computadores e celulares continuam ocorrendo pelo Brasil afora, ordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes, atingindo inclusive pessoas que sequer foram a Brasília naquela data.  Para agravar mais, são raros os advogados que conseguem ter acesso ao conteúdo dos processos que determinam estas medidas judiciais. Como fazer uma defesa sem conhecer o processo?

No caso de Deltan Dallagnol a situação é tão grave quanto as demais e chega a parecer vingança, eis que não existem fundamentos jurídicos válidos para a decisão que foi tomada pelo TSE, que inventou uma inelegibilidade que não está na lei eleitoral para cassar o deputado. Para que existisse possibilidade de cassação, quando Deltan saiu do Ministério Público, teriam que existir em andamento processos administrativos passíveis de demissão contra ele no Ministério Público. E isso não existia. A respeito dessa vergonhosa decisão se manifestaram grandes figuras jurídicas, como o ministro aposentado do STF, Marco Aurélio Mello, Miguel Reale Júnior, que já foi ministro da Justiça, e o jurista Ives Gandra Martins. Todos foram unânimes ao afirmar que a decisão foi arbitrária e menosprezou a Constituição Federal.

Na decisão do STF a respeito de matéria tributária envolvendo a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o absurdo foi maior, pois muitas empresas que conseguiram na Justiça o direito de não pagar o tributo, com sentença transitada em julgado, diante de novo posicionamento do Supremo em 2023, poderão ser cobradas pelo fisco automaticamente, sem a necessidade de uma ação revisional ou rescisória. Insegurança jurídica total. Estranhamente, demonstrando a incoerência do STF em suas decisões, também em 2023, o mesmo decidiu de forma diferente na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4000219-94.2016.1.00.0000, reconhecendo que violação à exigência constitucional de concurso público, na legislação do Paraná que estabeleceu que servidores com nível médio passassem a fazer parte de uma nova carreira, com atribuições distintas daquela para a qual haviam sido aprovados. No entanto, o STF preservou válidos os atos praticados pelos servidores investidos irregularmente no cargo de auditor fiscal sob o fundamento de “preservar o princípio da segurança jurídica”. Aqui o STF fala em preservação da segurança jurídica e na decisão da matéria da CSLL criou a insegurança jurídica. Nas decisões envolvendo libertação de presos, com histórico de crime de tráfico de drogas, e que foram detidos com grande quantidade de cocaína, as justificativas são vergonhosas e afrontam a sociedade.

Decisões como as citadas acima trazem sérias preocupações, inclusive algumas lembradas pelo ministro Luiz Roberto Barroso, do próprio STF, durante um julgamento, para quem nosso país corre o risco de assistir o que aconteceu na Itália, quando ocorreu reação da corrupção, com: “1- Mudança na legislação e na jurisprudência; 2- Demonização de procuradores e juízes; 3- Tentativa de sequestro da narrativa e recomputação da imprensa para mudar os fatos e recontar a história. Na Itália, a corrupção venceu e conquistou a impunidade e não por acaso. A Itália está entre os países desenvolvidos que apresentam há anos a pior média de crescimento econômico, como aponta a professora Maria Cristina Pinote, especialista nos efeitos da corrupção sobre as economias em estudos primorosos, que tem divulgado repetidamente”.

Ainda, segundo o ministro Barroso, “Na Itália, a corrupção conquistou a impunidade. Aqui entre nós, ela quer mais. Ela quer vingança. Quer ir atrás dos procuradores e juízes que ousaram enfrentá-la para que ninguém nunca mais tenha a coragem de fazê-lo. No Brasil, hoje, nós temos os que não querem ser punidos. O que é um sentimento humano e compreensível. Mas temos um lote muito pior, Sr. Presidente. Os que não querem ficar honestos nem daqui pra frente e gostariam que tudo continuasse como sempre foi.”

Assim, se os demais membros do STF e o STJ nada fazem contra estas decisões, cabe à OAB não se omitir, pois sempre teve o papel histórico de defensora do Estado de Direito, cabendo-lhe mais uma vez liderar discussões e manifestações de forma democrática para que estas decisões, que não condizem com o sistema jurídico brasileiro, deixem de existir, prevalecendo o preceituado em nossa Constituição Federal, que é pautada em princípios jurídicos que não estão sendo respeitados.

José Eli Salamacha é mestre em Direito Econômico e Social pela PUC/PR, professor em Curso de Pós-Graduação na disciplina de Direito Empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e sócio do escritório Salamacha, Batista, Abagge & Calixto Advocacia.

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