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Ponta Grossa, Paraná. Imagem ilustrativa.
Ponta Grossa, Paraná. Imagem ilustrativa.| Foto: José Fernando Ogura/AEN

É lição antiga que não há sistema político perfeito. As imperfeições, antes de vulnerabilidades em si, representam possibilidades de aperfeiçoamento potenciais que poderão ser bem ou mal trabalhadas no acontecer da vida pública cotidiana. Em um ambiente social frenético e dinâmico, o sucesso da democracia moderna pressupõe ampla capacidade de diálogo coletivo e plural composição de interesses contrapostos. Ou seja, a contemporaneidade exige a arte singular do entendimento democrático sobre matérias áridas, complexas e difíceis. Sobre o ponto, a sabedoria singular de Otávio Mangabeira costumava dizer que política é conversa e, às vezes, conversa longa e demorada.

No palco da existência, o tempo correu e o viver ganhou velocidade, fazendo da pressa uma das tônicas do presente; tudo tem de ser para já, pois o amanhã pode ser tarde demais. O imediatismo reina absoluto em um mundo que não tolera esperar. Acontece que obras duradouras não se erguem em instantes passageiros; exigem paciência, dedicação e perícia. Afinal, não há perenidade em improvisos rasteiros.

Estruturalmente, o desprestígio da razão pensante faz os extremos se exaltarem. No vazio referencial, o radicalismo oportunista se fantasia de liderança, ecoando soluções fáceis de alto apelo retórico. Entre o medo e o desespero ardente, o populismo estúpido vai criando valas de sustentação, mentindo como se estivesse dizendo a verdade. A conta-gotas, a sede faz as pessoas se atirarem no primeiro copo d’água, pouco importando que ali esteja um veneno mortal. Quando a farsa aparece, o arrependimento não faz reviver aquilo que se foi. Por assim ser, a prudência aconselha cautela e ponderação nos momentos definidores da história.

Sim, ideias iluminam o discurso, mas são as decisões políticas que levam luz às pessoas. Definitivamente, os graves desafios da democracia moderna não serão resolvidos com retóricas abstratas; temos de ir além das palavras, olhar pragmaticamente para a realidade posta e, com tato e determinação, promover melhorias efetivas aos cidadãos e às famílias brasileiras.

O problema crucial é que as instituições republicanas perderam responsividade: as demandas da sociedade são plúrimas e urgentes, mas a capacidade de ação governamental se mostra lerda, solene e burocrática. Tal desconexão de perspectivas gera um redemoinho de insatisfações crescentes, aprofundando a descrença popular na democracia como instrumento hábil de realização do bem comum. Paradoxalmente, a classe política insiste com velhos hábitos, omitindo-se do dever de revitalizar as instituições a partir de lógicas mais simples, austeras e práticas. Com isso, em vez de soluções criativas, seguimos circularmente sobre problemas antigos, aprofundando-se ainda mais o fosso do tensionamento social.

O momento é crítico e requer lideranças altivas. O atual fenômeno de erosão da democracia não é uma exclusividade brasileira, pois atinge inúmeras nações ocidentais tradicionalmente vinculadas à tutela das liberdades. Embora indesejados, retrocessos são possíveis. Sabidamente, as lógicas do poder são movediças e, se desorientadas, podem conduzir a resultados danosos de longo impacto político. Ao mesmo tempo, se conduzida com destreza, inteligência e coragem, é a política a maior fonte de progresso humano, econômico e civilizatório.

Por tudo, não podemos mais fugir de debates inadiáveis. Exemplificativamente, nosso federalismo assistemático privilegia a arrecadação federal, quando a vida acontece nas cidades. Temos de dar um basta a esse regime perverso de abusiva concentração de poder. O sucesso da democracia pressupõe o resgate da dignidade dos municípios em uma ampla discussão política sobre uma nova e mais justa repartição das receitas fiscais. O bom diálogo com Brasília e governos estaduais é fundamental, mas o protagonismo federativo deve ser reestruturado em um municipalismo vivo, aproximando efetivamente os cidadãos aos interesses virtuosos e intransferíveis da política.

A democracia do século 21, antes de políticos, será feita pela força ativa dos cidadãos. E os cidadãos residem nas cidades. É aqui – onde moramos – que precisamos focar esforços, concentrar receitas públicas e empreender economicamente melhorias sociais a todos.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.

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