A Confederação Abolicionista, principal movimento de propaganda contra a escravidão no Brasil do século 19, defendia que a abolição da escravidão deveria ser "sem indenização", ou seja, que os escravos deveriam ser libertados sem qualquer pagamento aos antigos proprietários. A proposta contrariava os interesses dos proprietários – a bancada ruralista –, que exigiam pagamentos pela libertação dos trabalhadores.

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Para defender seus "direitos" de receberem indenizações, os proprietários de escravos argumentavam, com palavras da época, que "não existe almoço grátis", e criticavam abertamente a política de libertação dos negros sem qualquer ressarcimento, afirmando que haviam comprado os escravos ao custo de "muito trabalho".

Mas o Panfleto nº 1 da Confederação Abolicionista, de autoria atribuída ao engenheiro André Rebouças, explicou bem: uma propriedade imoral não merece indenização. Acolhendo as condições propostas pelos abolicionistas, a Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, chamada Lei Áurea, extinguiu a escravidão sem definir qualquer pagamento aos ex-proprietários.

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Duas bandeiras estruturavam a Confederação Abolicionista, e enfrentavam radicalmente as estruturas da elite conservadora: "abolição imediata e sem indenização" e "destruição do monopólio territorial". Na opinião dos abolicionistas, as duas medidas deveriam ser efetivadas em conjunto para que o Brasil pudesse realmente superar os obstáculos do atraso. A destruição do monopólio territorial consistia em superar a estrutura fundiária anterior, com a propriedade da terra restrita à elite. Os abolicionistas apoiavam medidas de democratização do acesso à terra.

A abolição da escravidão, sem indenização, foi conquistada, mas o enfrentamento ao "monopólio territorial" foi deixado de lado pelo governo, pressionado pelos ruralistas. Consequentemente, até hoje permanece urgente uma ampla reforma agrária e urbana no Brasil, que democratize o acesso à terra e à propriedade, que ainda é sonegado a grande parte dos brasileiros. Essas medidas poderiam resultar na erradicação do monopólio territorial, cumprindo, enfim, o programa defendido pelos abolicionistas.

A falta de uma reforma da propriedade territorial no Brasil, que está atrasada em mais de um século, condena o país a viver em uma realidade de profunda desigualdade social, cujas raízes encontram-se na geografia da propriedade.

Ainda vivemos uma abolição incompleta, com milhões de pessoas vivendo em imóveis que não lhes pertencem, sendo apenas "toleradas" pelas autoridades e pelos proprietários, ou em condições precárias. Essa situação é inadmissível, pois tem mantido essas pessoas escravas das circunstâncias, e sujeitas às mais diversas violações. Sem direitos territoriais básicos, as pessoas enfrentam severos obstáculos ao livre exercício da cidadania, um direito fundamental.

É necessário colocar em pauta a segunda abolição: a democratização do acesso aos recursos territoriais, por meio da realização de uma política de reforma urbana e reforma agrária que inclua a adoção de um amplo programa de regularização fundiária sem indenizações.

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Bruno Meirinho, advogado, mestre em Geografia pela UFPR, é assessor do Instituto Democracia Popular (IDP) e foi candidato a prefeito de Curitiba pelo PSol em 2008 e 2012.

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