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Foi com enorme satisfação que li o texto intitulado "Chatos sobre duas rodas" na edição de 17 de abril da Gazeta do Povo. Como ciclista e defensor da mobilidade urbana, democrática e universal, fiquei extremamente satisfeito. De fato, nós, os ciclistas, somos uns chatos.

Afinal de contas, quem, a não ser um chato, pode se preocupar com a destinação dos espaços públicos além da turma da bicicleta? Só gente muito chata para sair da frente do computador, ou da televisão, para defender uma cidade – possível – em que todos usufruem do mesmo direito de ir e vir. Ou quem, não sendo um chato de marca maior, pode se perguntar se existem outras formas de locomoção que não aquela poluente e insustentável, usada pelos não chatos?

Existem ciclistas tão chatos, mas tão chatos, que chegam a reclamar da estrutura urbana da cidade. Gente que preferiria que Curitiba oferecesse o conforto, a humanização e a segurança oferecidas por cidades como Portland, ou Copenhague, ou Montreal. Aliás, qualquer um pode conferir: essas cidades chatas, que os bicicleteiros chatos insistem em apontar como exemplo, estão cheias de gente que protesta contra o que acha errado o tempo inteiro. Talvez quem não seja tão chato ache incrível que esses bastiões do aborrecimento possam ser apontados como exemplos de urbanidade.

Só chatos conseguem se preocupar com atropelamentos, ou poluição, ou mesmo com uma alternativa ao mau humor sintomático dos congestionamentos. Quem não sofre de chatice passa batido por essas coisas tão sem importância. Prefere se preocupar com a carreira, com o que vão dizer os amigos, ou mesmo se vai ou não chover. Existem até aqueles que no fundo são chatos, mas por medo ou insegurança preferem fingir que estão se chateando, engolindo um sapo atrás do outro. Assim, conseguem dos semelhantes não chatos reconhecimento e um espaçozinho aqui ou ali. Como se a vida e a extensão da convivência urbana se resumisse a tamanha pequenez...

Gente que não é chata – e chega-se até a invejar essa gente tão importante – adora criticar os chatos apontando suas chateações. E criticam de uma posição bem confortável. Afinal, são os chatos, e não os não chatos, que estão suando a camisa, gritando, sonhando com um mundo melhor. Enquanto os chatos batalham, os não chatos comemoram a boa nova, sentados no sofá, assistindo ao Jornal Nacional. Que bom saber que alguém, do alto de tamanha perspicácia jornalística, soube colocar no devido lugar o pessoal da bicicleta!

Aproveito este espaço para fazer uma sugestão: por que não publicar mais textos sobre chatos? Gente, por exemplo, que chateou todo mundo batalhando contra a ditadura? Ou contra – e vamos encontrar chatos até dentro do jornal – a corrupção? Ou sobre aqueles chatos que insistem em lutar pela educação de qualidade, ou pela saúde? Ou sobre aquela gente chata que, apesar de tudo, enche os outros pela paz ou pelo meio ambiente? Ou, quem sabe, até uma coluna – de conteúdo histórico, por que não? – falando dos chatos que foram contra o fascismo ou a escravidão, a exploração das mulheres ou das crianças?

Caso o colunista precise conversar com gente que seja chata nesse sentido, eu e meus amigos ciclistas estaremos à sua disposição. Conhecemos um monte de gente chata por aí. Gente que talvez o colunista, não sendo chato, tenha dificuldade em acessar.

Aristides Athayde, advogado e ambientalista, é membro da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (Cicloiguaçu).

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