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 | Felipe Lima
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“Esconda o seu poder e aguarde a sua hora; nunca tente tomar a liderança.” Xi Jinping crê que a sua hora finalmente chegou, e já é tempo de descartar a máxima de Deng Xiaoping, o sucessor de Mao Tsé-tung. Em janeiro, em Davos, o presidente chinês exibira-se como o campeão da globalização. Dias atrás, em Pequim, no Fórum Cinturão e Estrada, diante de Vladimir Putin, Recep Erdogan e outros 27 chefes de Estado, apresentou seu projeto monumental de restauração da Rota da Seda, a rede ancestral de vias de comércio que, na Antiguidade e Idade Média, conectava a China à Europa. Xi prometeu financiamentos anuais de US$ 125 bilhões, ao longo de uma década, em obras de infraestrutura ferroviária, portuária, oleodutos e gasodutos em 68 países.

Mapas recepcionam qualquer exagero. A Rota da Seda do século 21 tem um componente terrestre (o “Cinturão”) e um marítimo (a “Estrada”). O Cinturão organiza-se em torno de um corredor econômico principal, ligando a China à Europa, através da Ásia Central, Irã, Turquia e Rússia. Dele, partiriam cinco corredores secundários, rumo à Sibéria, à Rússia europeia, ao Sudeste Asiático, à Índia e ao Paquistão. A Estrada, inspirada nas rotas quatrocentistas da frota imperial do almirante Zheng He, formaria um corredor marítimo entre a China e os países asiáticos e africanos da Bacia do Índico, alcançando a Europa pelo Mar Vermelho e Canal de Suez.

A equação econômica repousa sobre a lógica do capitalismo de Estado. A China acumula US$ 3 trilhões em reservas cambiais, investidas predominantemente em papéis do Tesouro americano, que oferecem baixa rentabilidade. As grandiosas obras da Rota da Seda oferecem incontáveis alternativas de investimento produtivo. Além disso, as indústrias chinesas de trens rápidos, cimento, aço e metalurgia sofrem de excesso crônico de capacidade. A Rota da Seda abriria mercados externos, gerando demanda. O impulso expansivo sustentaria um novo ciclo de crescimento chinês, baseado em capitais e fatores de produção excedentes.

A equação econômica repousa sobre a lógica do capitalismo de Estado

Nem sempre o que reluz é ouro. O nome oficial da iniciativa de Xi é One Belt, One Road (“Um Cinturão, uma Estrada”). Alarmados pela corrupção vigente em governos da Ásia Central, empresários chineses envolvidos em projetos de infraestrutura cunharam a expressão jocosa “Um Cinturão, Uma Armadilha”. No Sri Lanka, grandes obras financiadas pela China a juros negativos figuram como casos de manual de destruição de riqueza: o Porto de Hambantota, construído há dez anos, gera receitas insignificantes, e o Aeroporto de Mattala Rajapaksa, inaugurado em 2013, ganhou de um especialista a alcunha de “o mais vazio do mundo”. Do outro lado do Subcontinente Indiano, no Paquistão, o Porto de Gwadar, completado junto com Hambantota, também carece de navios e cargas.

As incógnitas da equação econômica só têm solução pela adição de uma variável estratégica. A iniciativa da nova Rota da Seda bebe na fonte de Halford Mackinder, diretor da London School of Economics, tido como um dos fundadores da geopolítica, que formulou a chamada Teoria da Heartland. “Quem controlar a Eurásia dominará o mundo”, profetizou Mackinder no ensaio “O pivô geográfico da história”, apresentado em 1904 à Sociedade Real de Geografia. Xi sonha com a edificação, em torno da China, de uma esfera econômica da Eurásia, que rivalizaria com a esfera atlântica liderada pelos Estados Unidos. Globalização 2.0, exclamam os entusiastas. Dominação 3.0, acusa o The Economic Times, um influente jornal da Índia.

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A iniciativa chinesa beneficia-se do interesse da Rússia e das repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central por investimentos em infraestrutura, avançando no vácuo aberto pela renúncia de Donald Trump ao mega-acordo da Parceria Transpacífica (TPP) negociado por Barack Obama. Em Pequim, Xi invocou as figuras espectrais de Zheng He e de seus predecessores nas trilhas da Rota da Seda, “pioneiros que entalharam seus nomes na história não como conquistadores com canhões navais ou espadas, mas como afáveis emissários à frente de caravanas de camelos e navios carregados de tesouros”. Suas palavras, porém, não impressionaram a todos.

A Índia é o núcleo da oposição. O The Economic Times registrou, alarmado, que o discurso do secretário de Estado Rex Tillerson a diplomatas americanos, uma exposição de política externa de 6,5 mil palavras, alongou-se em explicar o “novo tipo de relação entre potências” com a China, mas não mencionou nem uma só vez a palavra “Índia”. As resistências se estendem desde a hostilidade dos governos eleitos de Mianmar e do Sri Lanka a contratos firmados por seus antecessores autoritários até violentos distúrbios conduzidos por residentes deslocados em Bangladesh e Sri Lanka, operários da construção civil em Mianmar e movimentos separatistas do Baluquistão paquistanês. Na Ásia Meridional, entre setores da intelectualidade, difundem-se sentimentos antichineses, em meio a alertas sobre as “ambições coloniais” do antigo Império do Centro. A caravana de Xi enfrenta o assédio dos “bárbaros”.

Demétrio Magnoli é sociólogo.
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