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O escritor britânico Paul Johnson é um dos grandes historiadores e intelectuais da atualidade. Articulista das revistas Forbes e The Spectator, seus textos são um convite à reflexão. Dono de uma cultura fabulosa e de uma sinceridade cortante, Johnson não sucumbe aos clichês politicamente corretos. Em recente entrevista à revista Veja, ao falar sobre o próximo livro de sua trilogia, "Os Heróis", Paul Johnson vai ao cerne da crise mundial.

"Os heróis", diz Johnson, "inspiram, motivam" (...) "Eles nos ajudam a distinguir o certo do errado e a compreender os méritos morais da nossa causa." E ao citar os heróis do Ocidente, destaca, na Igreja Católica, o Papa João Paulo II. De fato, Karol Wojtyla assumiu uma Igreja dilacerada pela turbulência provocada por equivocadas interpretações do Concílio Vaticano II. Curtido na contradição de sua sofrida Polônia, era um especialista na luta contra as ambigüidades. Coube-lhe a histórica missão de separar o joio do trigo e a difícil, mas bem-sucedida, tarefa de aplicar a autêntica renovação propugnada pelo Concílio Vaticano II.

Os comentários de Johnson e a figura de João Paulo II trazem à minha memória um livro que exerceu forte influência no rumo da minha vida: "Caminho". Seu autor, São Josemaría Escrivá, cuja festa a Igreja celebrou no dia 26 de junho, foi um apaixonado mestre da busca da santidade no trabalho profissional e nas atividades cotidianas. É o santo dos nossos dias. Propunha, com ousadia, "materializar a vida espiritual". Queria afastar os cristãos da tentação "de levar uma espécie de vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas." O cristianismo encarnado nas realidades cotidianas: eis o miolo da proposta de São Josemaría. Pois bem, no ponto n.º 301 de Caminho, um best-seller da literatura espiritual, encontrei, há bastantes anos, uma chave importante para a interpretação da vida e da História: "Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. Deus quer um punhado de homens ‘seus’ em cada atividade humana. Depois...’pax Christi in regno Christi’ – paz de Cristo no reino de Cristo."

O pensamento de São Josemaría Escrivá, apoiado numa visão transcendente da vida, consegue, de fato, captar plenamente a contextura humana e ética dos acontecimentos. Ele tem, no fundo, a terceira dimensão: a religiosa e moral, e só com essa lente é possível entender o mundo em que vivemos. Na verdade, o esgotamento do materialismo histórico e a frustração do consumismo hedonista prenunciam um novo perfil existencial. O futuro, por paradoxal que possa parecer, será marcado por um resgate do verdadeiro humanismo. O mundo está sedento de liberdade, mas nostálgico de certezas.

Certezas que entusiasmam multidões, mas provocam descargas de bílis nos que vivem de mal com a vida. Recordo-me de um episódio exemplar. Há anos, Christopher Hitchens, então editor do Canal 4 da televisão britânica, num programa sensacionalista e de ranço panfletário, investiu contra Madre Teresa de Calcutá. O perfil da religiosa, provavelmente escrito num pub londrino, entre um scotch e outro, era uma impressionante combinação de ódio represado, marketing de escândalo e temor agressivo.

"Numa época de ceticismo e ateísmo, parece inevitável que as pessoas adorem os altruístas", comentou com desdém Christopher Hitchens. Adorem ou odeiem, digo eu. Afinal, num mundo à deriva, dominado pelo culto ao prazer, a caridade, genuína e límpida, escandaliza. No ataque à frágil anciã, caro leitor, aparecia a mordida do sectarismo. Hitchens, e seus seguidores de hoje, não suportam a coerente sinceridade dos heróis e dos santos.

A santidade assusta e incomoda. Desnuda a nossa mesquinhez. É sempre um acicate. Mas a santidade também atrai. Madre Teresa, pobre e desvalida, deixou um magnífico exemplo de doação e um indelével rastro de bondade. O editor britânico, refém do seu sectarismo, ficou reduzido a um registro na história do jornalismo de escândalo. E nada mais. São Josemaría Escrivá acertou no cravo: "Estas crises mundiais são crises de santos."

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.

difranco@ceu.org.br

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