Uma nova fase da Lava Jato do Rio de Janeiro, deflagrada recentemente contra mais um aliado do ex-governador Sérgio Cabral, acabou, por vias oblíquas, respingando também no escritório Teixeira, Martins & Advogados, responsável pela defesa do ex-presidente Lula. Essa etapa da investigação, batizada de Operação Jabuti, prendeu o ex-presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Diniz, e desnuda pagamentos milionários de honorários advocatícios pela entidade.
Existe a suspeita de que o dinheiro tenha sido desviado do Sesc-RJ e do Senac, órgãos que recebem verbas públicas e que também foram presididos por Orlando Diniz, e pagos ao escritório mencionado para que ele atuasse politicamente a seu favor no governo federal, contra questionamentos à sua gestão. Segundo informações, foram pagos R$ 68,3 milhões em honorários ao escritório.
Não prejulgo o escritório de Roberto Teixeira. A investigação, certamente, iluminará a cena. Mas suscita a necessidade de uma reflexão e um questionamento ético a respeito do pagamento de honorários milionários de origem duvidosa e até mesmo criminosa, protegidos por um sigilo inaceitável numa democracia moderna e em rota de colisão com a nova sensibilidade que exige absoluta transparência nos assuntos de interesse público.
Na verdade, alguns advogados são o lado ganhador da Lava Jato. Todavia, se o dinheiro for fruto de corrupção não poderia acabar no bolso de defensores milionários sob o pretexto da proteção do manto do sigilo legal.
A sociedade deve conhecer a origem e os valores que abastecem defesas milionárias
Sem prejuízo do direito de defesa e da preservação das prerrogativas dos advogados, inerentes à democracia, é preciso abrir uma discussão ética a respeito do alcance do sigilo legal. Faço aqui uma analogia com um tema quente da ética jornalística: o direito à privacidade de figuras públicas.
Relembro, amigo leitor, uma análise que fiz a respeito do desnudamento midiático da relação amorosa do ex-presidente Lula e Rosemary Nóvoa de Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência de República em São Paulo. A infidelidade conjugal do ex-presidente, conhecida nos bastidores das redações, foi escancarada em uma edição da Folha de S.Paulo: “Poder de assessora vem de relação íntima com Lula”, cravou a chamada de primeira página.
A jornalista Suzana Singer, então ombudsman daquele jornal, fez a indagação ética: “A Folha invadiu a privacidade de Lula? Sim. Era necessário? Sim”. As respostas de Suzana Singer às interrogações éticas, curtas e diretas, foram redondas. Concordei plenamente.
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De acordo com a Policia Federal, Rosemary conseguiu, entre outras coisas, colocar em postos estratégicos do governo amigos corruptos que vendiam pareceres jurídicos favoráveis a empresários. Rose, gabando-se de sua relação íntima com Lula, tinha influência no Banco do Brasil. Trabalhou pela escolha do então presidente do BB, Aldemir Bendine, e indicou diretores da instituição. Como foi possível que Rose, uma antiga secretária do PT, acumulasse tanto poder, a ponto de influenciar em setores nevrálgicos do governo? Tudo isso, rigorosamente de interesse social, só ganhou dimensão pública graças ao trabalho da imprensa.
Só isso, e não é pouco, já justificaria a invasão da privacidade do ex-presidente Lula. A defesa do direito à intimidade não pode ser usada para impedir a investigação e revelação pela imprensa de informações de evidente interesse público.
A evolução do alcance do direito à privacidade pode inspirar uma serena discussão sobre os limites do sigilo que protege os honorários dos advogados. Não existem direitos absolutos. A sociedade deve conhecer a origem e os valores que abastecem defesas milionárias. Pensemos numa situação extrema: é razoável que milhões de reais despejados na defesa de narcotraficantes permaneçam protegidos pela capa do sigilo? Dinheiro de origem duvidosa, roubado da população, pode ir para o bolso de advogados, numa boa? E tudo protegido pela força do anonimato. É um tema polêmico? Sim. Mas como está não dá. Está na hora de a OAB abrir uma discussão. Com serenidade, mas com seriedade.
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