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Nestes 30 anos de redemocratização e de construção de um Estado Democrático de Direito, muito se fez e muito há por fazer. E, na medida em que coisas vão sendo feitas, os brasileiros se investem de desejos novos e novas reivindicações são formuladas. Uma espiral de reclamações tem o céu como limite: muitas demandas, muitas carências, muitas expectativas. E muitas dificuldades em cumprir uma agenda tão ampla e complexa.

Outro efeito da redemocratização: a imprensa investigativa, livre das amarras da censura dos governos militares, trouxe à tona escândalos de toda ordem, relações escusas em todas as esferas, corrupção e sonegação, apropriações privadas de recursos púbicos, revelações públicas de sujeiras privadas, em uma escala que penetra nos poros e gruda nas retinas e na memória, como aquelas músicas da moda que assobiamos sem querer. E tudo isso aumenta o mal estar, a insatisfação geral de cidadãos de alto a baixo da sociedade brasileira.

Foi intenso? Toda manifestação organizada e popular é. Foi imenso? Sem dúvida, as imagens e fotos mostram. Foi relevante? Provavelmente

Como sabido, a lista de insatisfações é imensa: educação pública – responsabilidade básica dos municípios e dos estados – em frangalhos; sistema prisional com superlotação nas delegacias, tortura generalizada, conluios com os bandidos, envolvimento de policiais estaduais, civis e militares em chacinas de inocentes; saneamento básico, lixões, transporte público, saúde (ah, a saúde!), qualificação profissional dos jovens, superfaturamentos, nepotismo etc. Tudo por fazer ou pouco se fazendo. Tarefas que todo presidente, todos os prefeitos e governadores deveriam ter como prioridade absoluta, mas que se perpetuam em um descaso sem fim. E ainda a inflação, a dívida pública, a diminuição dos investimentos em áreas prioritárias, geradoras de empregos. Sem falar da dívida social, herança de séculos de descaso, herança maldita de uma época em que reclamações eram, sempre, caso de polícia. Tudo isso junto e misturado. Tudo ao mesmo tempo agora. É difícil ficar calado. E aí todo mundo grita.

Em 2013, mais um aumento de passagem de ônibus, mais uma reação truculenta da polícia paulista e todas essas pessoas, como eu e como você, fomos às ruas dizer “chega”, “basta”, sem saber exatamente chega ou basta do quê. O grito pareceu importante, mais importante do que o que fariam com as nossas reclamações. E tudo recheado com uma novidade que as manifestações do fim dos anos 70, do início dos anos 80 e dos “caras pintadas” dos anos 90 não tiveram à disposição: a internet. As redes sociais foram tecendo ideias e convocando reuniões dos insatisfeitos e, assim, as ruas tornaram-se palco não provisório, contingente, mas permanente, da cidadania.

Mas não só da cidadania. Alguns perceberam que a espontaneidade criativa, a energia alegre e brincalhona que ganhou as ruas poderia ir sendo pouco a pouco formatada, aparelhada, condicionada, direcionada para os velhos interesses partidários e de grupos de poder. Bastava achar o apelo certo, o jargão certo, o grito de guerra certo. E foi isso o que vimos neste domingo, 16 de agosto. Os seus organizadores “escolheram” o “fora Dilma” e o impeachment como tema único, “para não desviar o foco dos manifestantes”. E agradeceram o apoio desinteressado do presidente do PSDB, Aécio Neves, à causa.

Foi intenso? Toda manifestação organizada e popular é. Foi imenso? Sem dúvida, as imagens e fotos mostram. Foi relevante? Provavelmente, na medida em que uma manifestação dessa magnitude pode desequilibrar um governo em um momento de crise e pressionar parlamentares temerosos em desagradar seus eleitores.

Mas a grande pergunta é: qual a contribuição das manifestações desse domingo para a democracia brasileira? Com a palavra, o futuro.

Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de História no Curso Positivo.
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