• Carregando...
 | Alexander Nemenov/AFP
| Foto: Alexander Nemenov/AFP

Em 28 de janeiro, o Talibã nomeou o mulá Abdul Ghani Baradar, fundador do movimento, em 1993, ao lado do mulá Mohammad Omar, como principal negociador nas tratativas de paz com os EUA, que estão sendo realizadas no Catar.

Baradar, que também foi nomeado vice do homem forte atual do grupo, Mawlawi Haibatullah Akhundzada, deve ir a Doha em breve para conversar com o enviado norte-americano, Zalmay Khalilzad.

Entre os talibãs, ele é tido como um líder militar carismático e figura profundamente religiosa que ainda reflete as origens da organização, fundada para acabar com a guerra civil afegã e o despotismo militar de meados dos anos 90.

Foi o primeiro membro do alto escalão a ver a inutilidade e o desperdício do conflito, engajando-se em negociações de paz secretas, em 2009, com o governo do presidente Hamid Karzai e, indiretamente, com os EUA e as forças da Otan.

As negociações atuais entre os norte-americanos e o Talibã deixam bem claro que a organização não vai mais dar apoio ou santuário a grupos terroristas de fora do Afeganistão

O Paquistão, na época principal aliado do Talibã, encerrou essas tentativas de conciliação ao prendê-lo, em fevereiro de 2010, em Karachi, e expor seus interlocutores. Ao detê-lo, Islamabad deixou bem claro ao Talibã e ao governo afegão, de forma contundente, que não deveriam se engajar em qualquer processo político que contradissesse sua sistemática no Afeganistão. A captura de Baradar gerou um antagonismo intenso entre Cabul e Islamabad e ressentiu muito os integrantes do Talibã, que o reverenciavam como um dos líderes fundadores da ordem.

Depois de muita pressão dos EUA e do Catar, os paquistaneses o libertaram em outubro passado, após oito anos e meio, mas ele permaneceu no país para tratamento médico. A soltura de Baradar e sua elevação subsequente a principal negociador reforçam a esperança de que a atitude do Paquistão em relação ao processo de paz e a antipatia de sua liderança militar aos chefes talibãs tenham mudado de vez.

O país se vê politicamente isolado na região por causa de sua má vontade em ajudar a acabar com a guerra no Afeganistão – e os danos causados pelo braço paquistanês do Talibã, um coletivo de grupos jihadistas que ataca seus alvos em território nacional e depois se esconde no vizinho, mudou a tática de Islamabad. As negociações atuais entre os norte-americanos e o Talibã deixam bem claro que a organização não vai mais dar apoio ou santuário a grupos terroristas de fora do Afeganistão.

Diplomatas ocidentais em Islamabad agora elogiam o exército por agilizar, e não dificultar, a missão de Khalilzad. Ainda é cedo para dizer se o apoio paquistanês ao processo de paz é uma mudança de rumo estratégica que afetará a região de forma mais ampla, mas seus militares procuraram os colegas indianos e líderes civis para tentar retomar o diálogo sobre o território disputado da Caxemira.

Leia também: Os EUA não podem ganhar a guerra do Afeganistão por não saberem por que estão lá (artigo de Steve Coll, publicado em 30 de janeiro de 2018)

Leia também: A legalização dos talibãs e a origem violenta do poder político (artigo de Adriano Gianturco, publicado em 22 de abril de 2018)

Com exceção do apoio do Paquistão à missão de Khalilzad, a importância de Baradar dentro do movimento talibã aumenta as chances de paz. Eu o conheci no fim da década de 90, depois de o Talibã ter capturado Cabul. Ele tinha sido governador da província de Herat e, na época, era vice-ministro da Defesa da organização quando esta caiu, em 2001.

Baradar era moderado nas questões sociais e defendia a manutenção das relações com o Ocidente e os vizinhos do Afeganistão. Os talibãs linha-dura, sob a influência de Osama bin Laden, tinham forçado as agências humanitárias ocidentais a deixar o Afeganistão, e o país enfrentava uma escassez de comida e uma crise econômica sérias. Já Baradar era contra o isolamento afegão e o corte total da assistência, pois tinha consciência da dependência afegã da ajuda financeira ocidental.

Embora tivesse sido contra a presença de Bin Laden no Afeganistão depois que o mulá Omar lhe deu abrigo, em 1996, Baradar se manteve próximo do líder, em Kandahar, quando seu regime caiu.

Graças a seu histórico impecável de serviço à causa talibã, nenhum membro do grupo poderá contradizê-lo se – e quando – ele se engajar no processo de paz. É também a figura com maiores chances de vender a conciliação aos comandantes mais militantes de sua organização, inclinados a continuar lutando por uma vitória total e absoluta para impor o sistema Charia no país, exatamente como fizeram nos anos 90.

Há hoje um consenso cada vez maior pelo fim da guerra no Afeganistão

Sem dúvida, os EUA se beneficiarão de sua presença nas negociações do Catar, já que Khalilzad e seus colegas estarão falando com um líder talibã de destaque, apto a tomar decisões.

A equipe de Khalilzad já fez progressos significativos, e tanto norte-americanos como talibãs “concordaram, a princípio, com a base” de um acordo no qual o Talibã promete não receber grupos terroristas no futuro e auxiliar os EUA a livrar o Afeganistão dos resquícios da Al-Qaeda e do Estado Islâmico. E pode resultar na retirada total das tropas norte-americanas em troca de um cessar-fogo e do diálogo talibã com o governo afegão.

Questões importantes ainda têm de ser solucionadas. O Talibã, por exemplo, como primeiro passo, quer o anúncio imediato da retirada dos militares dos EUA e a libertação de seus homens presos no Afeganistão; já os norte-americanos conseguiram a promessa dos talibãs de que o solo afegão jamais será usado de novo por grupos terroristas. Eles também insistem em um cessar-fogo talibã contra as próprias forças militares e as do Afeganistão, além da concordância em iniciar negociações sobre um arranjo político futuro com Ashraf Ghani e Kabul.

Até agora, o Talibã tinha se recusado a se encontrar com o presidente e seu gabinete, descrevendo-os como “um bando de patetas” – posição insustentável se o grupo realmente se propõe a encerrar o conflito. Baradar tem um histórico de diálogo com todos os líderes de seu país e pode ter condições de convencer o Talibã a reconsiderar sua posição.

Leia também: Aos trancos e barrancos rumo ao fim do mundo (artigo de Sergey Radchenko, publicado em 10 de outubro de 2018)

Leia também: Um vácuo global de líderes (editorial de 13 de janeiro de 2019)

Além disso, a promessa de uma assistência econômica continuada dos EUA e da Otan, uma vez que o acordo de paz for concluído, pode ser um fator importante na hora de convencer o Talibã a capitular ao acordo de paz.

Apesar das diferenças drásticas entre os países da região – o Irã e as nações do Golfo, Índia e Paquistão, Paquistão e Afeganistão –, há hoje um consenso cada vez maior pelo fim da guerra no Afeganistão. O longo conflito também prova ser altamente danoso para as nações vizinhas, uma vez que grupos terroristas buscam refúgio no Afeganistão, o que dificulta/atrasa a implementação de projetos de infraestrutura econômica.

A experiência de Khalilzad com seu país de origem, que remonta ao governo Reagan, durante a ocupação soviética, sem dúvida ajuda muito. O povo afegão, pela primeira vez em décadas, agora tem esperança de que finalmente o conflito de 40 anos possa estar chegando ao fim.

Ahmed Rashid é o autor, mais recentemente, de “Pakistan on the Brink: The Future of Pakistan, Afghanistan and the West”.
The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]