
Ouça este conteúdo
O ministro Barroso, presidente do Supremo, publicou uma carta aberta refutando as afirmações do presidente Donald Trump de que há uma perseguição política (caça às bruxas) contra Bolsonaro, sob a forma de um processo ilegal no tribunal que Barroso preside; além disso, Trump acusa o tribunal brasileiro de censura — inclusive contra cidadãos americanos e empresas daquele país.
O ministro nega tudo, alegando que, no Brasil, há hoje um regime de liberdade, com justiça transparente e respeito ao devido processo legal.
É notória a falta de vocação de Barroso para a função de juiz, com a neutralidade e discrição que se espera de um magistrado. Sem conseguir resistir aos holofotes e palanques, já nos brindou com verdadeiros comícios (“Nós derrotamos o bolsonarismo!”) e declarações inusitadas e chulas (“Perdeu, mané!”). Assim, não chega a causar espanto que o juiz Barroso publique essa “carta aberta”.
Ocorre que o senhor Barroso é também professor de Direito (por coincidência, na mesma universidade em que o autor deste texto leciona há quase 40 anos). E aí a coisa fica complicada.
Qualquer estudante de Direito sabe que nosso sistema de justiça criminal é acusatório; nesse sistema, o Judiciário é inerte, ou seja, só age se provocado, não podendo (justamente para preservar sua neutralidade) instaurar inquéritos ou processos por iniciativa própria; é o que se chama princípio da demanda (o juiz precisa ser demandado por um pedido da autoridade policial ou do Ministério Público).
Mas o processo contra Bolsonaro nasce de inquéritos instaurados por iniciativa (inconstitucional) do próprio STF: o tristemente famoso “inquérito do fim do mundo” e o das “organizações antidemocráticas”.
Qualquer estudante de Direito sabe também que o Supremo só pode julgar como primeira (e única) instância réus que tenham foro “privilegiado” (presidente da República, deputados federais, senadores etc).
Mais de mil pessoas comuns, como aposentados, donas de casa, professores, manicures etc. estão sendo ilegalmente julgadas pela corte suprema do país - o que significa que, em caso de condenação, não têm a quem recorrer — o que também é inconstitucional — por mais absurdas que sejam as penas (e absurdas elas têm sido).
Todo estudante de Direito sabe que não há crime sem lei anterior que o defina. Bolsonaro e seus aliados estão sendo processados (e, podem apostar, serão condenados) por “tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito por meio de violência ou grave ameaça” (artigo 359-L do Código Penal) e “tentativa de golpe de estado”, um crime cuja definição na lei (artigo 359-M do Código Penal) também exige emprego de violência ou grave ameaça.
A conduta atribuída a Bolsonaro é a de ter estudado a possibilidade de decretar estado de emergência (uma medida prevista na Constituição); estudou a possibilidade e… decidiu não decretar coisa alguma.
Onde estão a “violência ou grave ameaça”?
Politicamente cada um pode ter a opinião que quiser sobre esses fatos. Juridicamente, porém, a questão é objetiva: a conduta de Bolsonaro não se enquadra na lei penal (é o que chamamos de conduta atípica), portanto ele não cometeu crime algum.
Se todo estudante de Direito sabe disso, causa espanto que o professor Barroso tenha uma compreensão tão imprecisa do Direito
Ah, sim: o que está fazendo o doleiro no título deste texto?
É só para lembrar que, enquanto Bolsonaro e seus aliados estão na iminência de uma condenação, esta semana o doleiro do Petrolão, Alberto Youssef, juntou-se ao rol da impunidade, do qual já fazem parte Lula, Sérgio Cabral, os irmãos Wesley e Joesley da Friboi, Zé Dirceu, Palocci etc.
Como foi isso? Bem, suas condenações foram anuladas pelo tribunal presidido pelo senhor Barroso - aquele que diz que não existe perseguição política no Brasil de hoje.
Marcelo Rocha Monteiro é procurador de Justiça (MPRJ) e professor de Direito (UERJ).



