Não é novidade que o agronegócio é uma das forças da economia brasileira. Segundo cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), a participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB) nacional total deve fechar 2021 em aproximadamente 30%. Além disso, pesquisa divulgada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no primeiro semestre indicou que a produção do agro brasileiro seria suficiente para alimentar cerca de 800 milhões de pessoas.
Em meio a tantas inovações e disrupções tecnológicas que temos observado nos últimos anos, uma delas está crescendo no Brasil e tem grande potencial para impactar positivamente o agronegócio nacional. Falo, aqui, das foodtechs, a junção de food (comida) e technology (tecnologia), para designar organizações que se voltam a soluções como Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) e Big Data, para citar algumas, a fim de transformar a indústria agroalimentar.
O objetivo é fazer desse setor um segmento mais moderno, eficiente e sustentável em todas as suas etapas, levando em consideração que políticas de Environmental, Social and Governance (ESG), as boas práticas ambientais, sociais e de governança de uma companhia, são cada vez mais relevantes para os consumidores e para o mercado como um todo. Saliente-se, ainda, que são desafios atuais como digitalização da sociedade, segurança e desperdício alimentar, facilidades de logística reversa e mudanças climáticas que as foodtechs procuram resolver ou, ao menos, minimizar.
(…) as foodtechs envolvem toda a cadeia de alimentação, da produção ao delivery, passando por logística e gestão de dados e até mesmo por embalagens; as possibilidades são muito amplas. Em relação ao agronegócio nacional, o foco principal deve ser a produção. Ora, se somos grandes produtores de commodities, também temos capacidade para sermos referência em alimentos transformados.
Recentemente, Endeavor e Pepsico divulgaram um relatório sobre as principais tendências relacionadas a foodtechs em cinco países da América Latina: Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México. De um total de 323 startups mapeadas, 123 (praticamente um terço) são brasileiras. Segundo o estudo, nos últimos dez anos as foodtechs latino-americanas passaram por 206 rodadas de captação, com US$ 1,7 bilhão investido nos estágios iniciais. Além disso, essas empresas geraram mais de 29 mil empregos diretos. O que se vê, portanto, é que mercado e dinheiro para investir existem.
Ressalte-se, ainda, que as foodtechs envolvem toda a cadeia de alimentação, da produção ao delivery, passando por logística e gestão de dados e até mesmo por embalagens; as possibilidades são muito amplas. Em relação ao agronegócio nacional, o foco principal deve ser a produção. Ora, se somos grandes produtores de commodities, também temos capacidade para sermos referência em alimentos transformados.
Por aqui, eu destacaria, especialmente, as foodtechs voltadas à produção de alimentos à base de vegetais – ou plant based –, cujo consumo é estimulado pela adoção de um novo estilo de vida pelos brasileiros, o que inclui hábitos alimentares diferenciados. Para se ter ideia, uma pesquisa de 2018 do Ibope indicou que cerca de 30 milhões de pessoas são vegetarianas no país, crescimento de 75% em comparação com o que havia seis anos antes – mas mesmo quem permanece onívoro vem buscando reduzir o consumo de carne por diversos fatores.
Dados da consultoria internacional de mercado Euromonitor demonstram que nos últimos cinco anos o mercado de plant based registrou um crescimento anual de 11,1% no Brasil. Quanto ao faturamento, se em 2015 ele foi de US$ 48,8 milhões, em 2020 saltou para US$ 82,8 milhões (crescimento de praticamente 70%). Para 2025, a projeção de vendas para o segmento no país é de US$ 131,8 milhões.
Se até não muito tempo atrás as pessoas que não consomem ingredientes de origem animal tinham dificuldades para encontrar uma boa variedade de produtos, hoje o leque é vasto, indo de hambúrguer a leite, passando por tortas, tiras de “frango”, nuggets, leite condensado, presunto, queijo e uma infinidade de laticínios.
É claro, porém, que nem tudo são flores e, falando-se de Brasil, ainda há dificuldades que precisam ser superadas. A primeira é um clássico que atinge diversos setores da economia: a tributação. A produção do leite de vaca, por exemplo, recebe incentivos fiscais, fazendo do produto final consideravelmente mais barato que o leite vegetal, o que gera reflexos tanto na sustentabilidade financeira do negócio quanto na tomada de decisão do consumidor.
Outro ponto relevante diz respeito à fiscalização: ela seria de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)? A dúvida surge porque não há, hoje, no país, quaisquer regramentos sobre foodtechs. Tem-se, assim, uma lacuna do ponto de vista regulatório, que demanda uma organização rápida por parte do governo.
Ultrapassados esses obstáculos, não tenho dúvidas de que as foodtechs têm tudo para seguir em franco crescimento no país. Espírito inovador e criatividade o brasileiro tem de sobra, basta que o poder público faça a sua parte para estimular o setor ainda mais – e não freá-lo.
André Aléxis de Almeida é advogado, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito Empresarial e mentor jurídico de empresas.