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Há décadas o Brasil desvia recursos da educação, do saneamento, da saúde, da moradia e de outros setores sociais para fazer estradas, pontes, viadutos e avenidas que a indústria automobilística exige; além dos sacrifícios fiscais e das taxas de juros subsidiados, sem os quais o Brasil não se transformaria no 8º maior produtor de automóveis do mundo. Esses sacrifícios foram feitos sem reclamação, porque a inflação permitia a ilusão de recursos públicos para todas as prioridades: as sociais e as automobilísticas. O resultado é sermos grandes produtores de carros e um dos últimos países em educação, saúde, distribuição de renda, com uma cultura que prioriza mais o tanque de gasolina dos automóveis do que a qualidade de alimentação dos filhos; mais a pavimentação das vias do que a qualidade das escolas; vota mais na política que promete carros do que na que defende educação.

Graças aos caminhoneiros, estamos descobrindo que, para reduzir o preço do diesel, será necessário tirar dinheiro de outros gastos. Os caminhoneiros estão mostrando que R$ 1 gasto em uma despesa não pode ser gasto simultaneamente em outra. Antes isso era possível graças ao estelionato da inflação.

Os caminhoneiros estão mostrando que R$ 1 gasto em uma despesa não pode ser gasto simultaneamente em outra

Descobrimos a aritmética; falta descobrir a política para escolher de onde retirar os recursos necessários, sem comprometer a educação e outros gastos sociais. Do total de R$ 9,5 bilhões destinados ao subsídio para o diesel, o governo propõe retirar R$ 55 milhões da educação. Os defensores da educação devem descobrir que não basta mais reivindicar, é preciso lutar para retirar recursos de outros setores: das mordomias e de outros desperdícios históricos pagos pelo Estado brasileiro, beneficiando a elite.

A greve nos ensinou que o Brasil esgotou o modelo econômico e social pelo qual o progresso está no aumento do PIB, mesmo ao custo da depredação ecológica; concentração de renda; violência; atraso educacional, científico e tecnológico; cidades degradadas. Mostrou também que foi um erro a opção pelo transporte rodoviário entre cidades, no lugar do ferroviário, hidroviário ou por cabotagem; como foi erro priorizar o transporte urbano por carros privados, no lugar do transporte coletivo, de preferência movido por combustíveis renováveis. Recebemos a lição de que é estúpido o sistema de distribuição que obriga um litro de leite ou uma dúzia de ovos viajar centenas de quilômetros entre produtor e consumidor, contrariando o eficiente modelo do Slow Food, criado pelo italiano Carlo Petrini e defendido no Brasil pelo agrônomo João Luiz Homem de Carvalho, que propõe a produção de alimentos próxima ao consumidor.

Leia também: Nossa matriz de transportes desequilibrada (artigo de Fernando Simões Paes, publicado em 12 de junho de 2018)

Opinião da Gazeta: Reformar ou naufragar (editorial de 4 de junho de 2018)

A paralisação foi suficiente para o governo decidir subsidiar o óleo diesel, sacrificando gastos em outros setores. Pena que os militantes continuem prisioneiros da época da reivindicação em vez de lutar para que o subsídio seja financiado sem sacrifício de gastos na educação e sem cair na ilusão inflacionária. Para tanto, bastaria lutar por reduzir apenas 0,6% dos gastos previstos para o Senado e a Câmara de Deputados.

Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
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