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Fenômeno estritamente meteorológico, a extraordinária conjunção de sinergias ocorrida em outubro de 1991 produziu tal tormenta na costa leste da América do Norte que desobedeceu ao rito e nem sequer foi batizada. Passou a ser conhecida como “Sem Nome” até que o jornalista Sebastian Junger, apontado como um herdeiro de Hemingway, nomeou-a através de um best-seller publicado em 1997 e transformado em filme, logo depois (em 2000).

A previsibilidade das mutações atmosféricas, tal e qual as sucedidas na esfera social, facilita o trânsito das “tempestades perfeitas” da meteorologia à ciência econômica, onde parece definitivamente ancorada.

A desgraça é o nosso desconhecimento da mecânica e da dinâmica das tempestades perfeitas

Ao descaso fiscal acrescentou-se a traumática eleição presidencial que pretendia disfarçar o tsunami legal na maior empresa brasileira, ambos reforçados pelo súbito aparecimento de um terremoto institucional no primeiro escalão da administração. A fadiga dos materiais acirrou o conflito partidário na base de sustentação do governo e entre o Legislativo e o Executivo. A incapacidade da classe política em discernir os malefícios e a periculosidade das impugnações propostas (do presidente da Câmara dos Deputados e da presidente da República) estabeleceu um fogo cruzado que impede a formação de vetores ou atores mais sólidos, todos igualmente vulneráveis.

Faltava um ingrediente raramente mencionado, mas sempre presente nos pesadelos: a turbulência militar escancarada na sexta-feira, através da exoneração de um general quatro-estrelas, chefe do Comando Militar do Sul. Hamilton Martins Mourão, além de vocalizar publicamente as críticas ao governo do qual faz parte, tomou a truculenta decisão de autorizar homenagem póstuma a um dos mais conhecidos e ferozes chefes da repressão durante a ditadura: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi paulista na sua fase mais sinistra, primeiro torturador reconhecido pela Justiça, inspirador, até seus derradeiros momentos, da paranoia antidemocrática e claramente fascistoide que se espalha à sombra da insatisfação com o fulminante aumento do desemprego e da carestia.

E isso no exato momento em que se rememoram os 40 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos cárceres do DOI-Codi paulistano, lembrados em tocante cerimônia no último domingo na Catedral da Sé, apoiada por oito confissões religiosas irmanadas contra a violência.

Espera-se que a inesperada agregação do fator militar às crises concêntricas que nos afligem possa ser atenuada através das negociações entre o ministro da Defesa, Aldo Rebelo, o comandante do Exército, o próprio exonerado (aparentemente cônscio dos seus erros) e do substituto, o general Edson Leal Pujol, que comandou a missão pacificadora no Haiti.

A desgraça é o nosso desconhecimento da mecânica e da dinâmica das tempestades perfeitas. Esse tipo de “perfeição” não tem parâmetros, é sujeita a sucessivas potencializações e é imponderável. imprevisível e interminável. Só amainará quando os náufragos perceberem que não há vencidos nem vencedores.

Alberto Dines é jornalista.
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