| Foto: Fabio Abreu
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Tenho notado um crescente clima de desespero entre aqueles com bom senso, criados pelos valores básicos e tradicionais, diante do avanço da insanidade “progressista”. As pessoas normais tremem ao ver tanta bizarrice sendo tratada como banal, ao ler diariamente os jornais e se deparar com dezenas de gêneros, com manifestações que derrubam estátuas, com o radicalismo da esquerda.

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Também sinto pontadas de angústia e até desesperança, além de cansaço, mas não me permito cair em desespero. E quando acho que estamos enfrentando uma crise de proporções inigualáveis, que colocam em xeque a própria civilização, busco refúgio em livros que tratam de épocas anteriores. A humanidade já superou obstáculos bem mais ameaçadores do que esses bobocas mimados!

E nem é preciso regressar tanto assim no tempo. Estou lendo O presidente, o papa e a primeira-ministra, de John O’Sullivan, que mostra a trajetória de Ronald Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher, “três figuras que mudaram o mundo”, como diz no subtítulo. E como mudaram! E para muito melhor, claro. E eis o mais importante: quando eles fizeram isso, a situação no Ocidente era bem mais frágil do que a atual. Os inimigos eram mais poderosos e não havia qualquer indício de que a coisa seria revertida da forma que foi.

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Nada era inevitável, e poderíamos estar numa condição bem pior hoje, não fossem esses três gigantes. Para começo de conversa, os três sofreram atentados que quase custaram suas vidas. O fato de terem sobrevivido, e ao menos Reagan e o papa terem atribuído isso à intervenção da mão divina, deu-lhes um senso de propósito ainda maior para suas missões. Mexeram com as pessoas erradas, enfim.

Numa época de identidades maleáveis e de muito relativismo, todos eles sofriam, nas palavras do autor, do “mal de serem demasiado categóricos”, sendo Woytila católico demais, Thatcher conservadora demais, e Reagan americano demais. Ocorre que era exatamente disso que o Ocidente precisava! Os “liberais” dominavam o ambiente intelectual, o debate era determinado pelo viés “progressista”, e o socialismo parecia invencível.

O trio de heróis sequer era levado muito a sério no começo da década de 1970, como descreve o autor: “Wojtyla, Thatcher e Reagan personificavam virtudes tais como a fé, a autoconfiança e o patriotismo – virtudes que o mundo moderno parecia estar a deixar para trás. Para usar uma metáfora política britânica, se eles eram ‘grandes feras’ na selva da política e da religião, era apenas por serem dinossauros”. Mas o que eles provaram é que os dinossauros eram os comunistas.

Naquele momento, porém, o destino do regime comunista estava longe de definido. A Igreja Católica lidava com a “teologia da libertação”, heresia que ganhava força ao promover um casamento forçado entre Jesus e Marx, com muito mais deste que daquele; uma guerra nuclear entre as duas grandes potências era uma constante espada sobre a cabeça de todos; as crises do petróleo colocaram as economias de joelho e espalharam a estagflação; a pílula e o feminismo disseminaram a revolução sexual que ameaçava as famílias; o Reino Unido era dominado pelos trabalhistas que flertavam abertamente com o socialismo; os Estados Unidos se mostravam cada vez mais fracos sob a liderança pusilânime de Jimmy Carter; o futuro, em suma, parecia sombrio!

Mas o impensável aconteceu. Um papa polaco assumiu a Igreja Católica pela primeira vez, e sobreviveu a um atentado que quase lhe tirou a vida. Tudo leva a crer que foi a mando dos soviéticos, que tinham motivos de sobra para temer um Papa oriundo da Polônia, familiarizado com o regime totalitário. João Paulo II era carismático, apesar de firme nas convicções. Foi “comendo pelas beiradas”, fortalecendo a dissidência democrática no Leste Europeu, simbolizando a esperança de milhões de crentes no mundo todo.

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Thatcher, filha de um comerciante, destacava-se no Partido Conservador, mas ninguém imaginava ser possível se tornar primeira-ministra já no final dos anos 1970. O “impossível” se tornou realidade, e sua combinação de defesa da liberdade econômica, dos valores conservadores e cristãos tradicionais, e do patriotismo britânico, além de forte ligação com os Estados Unidos, ajudaram a colocar a Inglaterra no trilho do progresso novamente.

Nos Estados Unidos, seu admirador parecia distante da Casa Branca. Reagan parecia ter chegado ao ápice da sua carreira política como governador da Califórnia, mas o imprevisível também aconteceu: o ator “beligerante” e “simplista” venceu, e pouco depois também sobreviveu a um atentado que por muito pouco não o matou.

Em meio àquele pessimismo todo, de quem achava inevitável o pior, o trio foi capaz de resgatar, pouco a pouco, o otimismo e a esperança, enquanto os inimigos da liberdade é que sucumbiam ao desespero, até o ponto da queda do Muro de Berlim e do debacle do império soviético. Países do Terceiro Mundo, mergulhados em tiranias comunistas, guerrilhas ou regimes militares, passaram a se redemocratizar. Uma onda de privatizações tomou o mundo. Da sensação de impotência, o Ocidente passou ao vigor otimista.

Nada disso era previsível então. “De fato, qualquer que fosse a crise, o Ocidente pareceu sempre impotente para responder com eficácia”, constata o autor. Ele acrescenta: “A literatura, os filmes, a crítica, o jornalismo e a cultura popular, todos apontaram ou proclamaram ‘o final da civilização como a conhecemos’”. Mas a catástrofe foi evitada. O pior não aconteceu. Pelo contrário: o mundo melhorou!

O’Sullivan escreve: “No curto espaço de vinte e seis meses, o Papa, o presidente e a primeira-ministra tinham dissipado todas as dúvidas dos seus colegas e concidadãos, e ocupado o lugar mais alto à disposição de cada um. Tinha sido uma luta imensa para chegar ao topo. Visto à distância, porém, não se tratava tanto de ter subido a um cume como de entrar num ringue de boxe. E os adversários à espreita no canto oposto eram uma oposição de respeito”.

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Hoje temos perigos diferentes (ou nem tanto), como a China, o islamismo radical, a pandemia, o extremismo “progressista”. Mas não há razão para desespero. Não será fácil derrotá-los, claro. Mas os conservadores e liberais devem se unir, com a prudência de uns e o otimismo de outros, para resgatar os valores ocidentais. Uma vez mais, vamos vencer!

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.