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| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Desde ao menos duas décadas, o Brasil passa por um violento processo de aparelhamento ideológico do Estado, processo esse que acabou por respingar no Judiciário. Uma das reações (tardia, diga-se de passagem) a tal sanha ideológica foi a aprovação da chamada “PEC da Bengala”, transformada em Emenda Constitucional 88, que, aumentando a idade de aposentadoria dos ministros dos tribunais superiores, visou diminuir o poder de fogo do partido então governante de indicar novos ministros.

De lá para cá, a percepção da sociedade brasileira acerca da ideologização do STF se acentuou. Quem acompanha o debate nas redes sociais vê claramente que uma parte considerável do povo brasileiro entende que o Supremo é antes parte do problema que da solução. O anseio popular de que a corte retome seu caminho histórico de fiel da balança nas grandes questões nacionais é dos mais agudos e, ironicamente, a “PEC da Bengala”, agora, se coloca como obstáculo à correção de rumos desejada por essa parcela da população.

O anseio popular de que a corte retome seu caminho histórico de fiel da balança nas grandes questões nacionais é dos mais agudos

Isso porque o atual presidente da República (que, lembremos, é quem detém a prerrogativa de apontar nomes para o STF) foi eleito tendo como uma de suas maiores promessas justamente o desaparelhamento ideológico do Estado, o que passa necessariamente pelo STF, razão pela qual, para uma grande parte do eleitorado de Jair Bolsonaro, quanto mais ministros do Supremo ele puder indicar, melhor. A EC 88 limita a possibilidade de nomeação nos próximos quatro anos a duas, salvo situações extraordinárias de morte, de renúncia ou – vá lá – de impeachment de um dos atuais ministros. Caso uma nova PEC seja aprovada, retornando a aposentadoria compulsória para os 70 anos, o atual presidente poderá nomear até quatro novos membros. Em uma corte formada por 11 supermagistrados, a possibilidade de nomear quatro deles representa uma alteração profunda no próprio perfil do Supremo. No fundo, portanto, é isso o que está em jogo quando se discute a aprovação de uma nova PEC que substitua a EC 88.

É certo que emendas constitucionais ad hoc não é coisa saudável. Nenhuma sociedade pode viver em tranquilidade com constantes alterações das regras do jogo, especialmente se tais alterações miram questões específicas. Porém, às vezes, movimentos dramáticos são necessários. A “PEC da Bengala” foi um destes movimentos e evitou a possibilidade de “bolivarianização do STF” (termo esse utilizado pelo ministro Gilmar Mendes em uma entrevista em 2015). E, agora, um novo movimento dramático em sentido contrário se faz necessário.

Leia também: O fogo de palha não chamuscará a bengala (artigo de Hélio Gomes Coelho Júnior, advogado, professor de Direito na PUC-PR e presidente do Instituto dos Advogados do Paraná)

O remédio do passado subitamente tornou-se um entrave à saúde do paciente no presente. E deixar de aplicá-lo torna-se, assim, uma forma de acelerar a convalescência.

É certo que uma emenda constitucional não é coisa que se aprova facilmente, visto que seu processo legislativo é dos mais complexos. Porém, o mesmo sentimento popular que acabou impulsionando a aprovação da “PEC da Bengala” está vivo e pressiona, agora, por sua revogação. O povo brasileiro, nas últimas eleições, já demonstrou seu desejo de que haja um desaparelhamento ideológico completo dos três poderes, e os atuais congressistas devem estar atentos a esse ponto. Caso não estejam, correm o risco de serem eles próprios, nas eleições de 2022, os rejeitados por um eleitorado que não viu neles a coragem necessária de fazer o que deles se exige nesse momento histórico.

Alexandre Semedo de Oliveira é juiz de Direito e membro do Movimento de Magistrados para a Justiça (MMJ).
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