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Muitas famílias com crianças e idosos participam de protestos em frente a quartéis.
Imagem ilustrativa.| Foto: EFE/ Joédson Alves

Não me consta que o país já tenha vivido um dia de posse dos eleitos sob tensão e medidas de segurança como as agora adotadas em Brasília e, possivelmente, em outras capitais onde as autoridades identifiquem possíveis riscos. Além das manifestações nas portas dos quartéis – que vêm desde o dia da divulgação dos resultados das urnas –, já ocorreram os incidentes decorrentes da prisão do cacique Serere, quando veículos foram incendiados e houve tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; o encontro da bomba no aeroporto e da bolsa de roupas sujas deixada próxima ao hotel, confundida com explosivos; e muitos informes intimidadores que podem ser fake news, mas ninguém tem disposição de esperar e pagar para ver se são falsos ou verdadeiros. Tudo isso amedronta a todos. Em dois momentos reconhecidamente difíceis – a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, (quando os militares obstavam a posse do vice João Goulart), e em 1964, quando o general Castello Branco assumiu, inaugurando o ciclo de governos militares que duraria 21 anos –, não houve tanta tensão, pois tudo ocorria como coisa decidida e o povo não estava insuflado como atualmente.

Desta vez, mesmo com a inédita proibição do porte e transporte de armas em todo o Distrito Federal, a posse não terá a participação do Rolls-Royce conversível que desde os anos 50, quando o governo brasileiro o recebeu de presente da rainha da Inglaterra, transportou, em desfile, o presidente durante a solenidade de posse. As armas estão proibidas, mas sabe-se que isso não é obedecido pelos criminosos e, especialmente, por quem possa estar pensando em atentar contra a vida do presidente ou qualquer de seus convivas. Recorde-se que, mesmo sabendo ser proibido, Adélio Bispo andou no meio da multidão com a faca que usou para golpear Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). A propósito, a nação até hoje ainda não sabe a motivação do ataque. Pode ter tido mandante ou não, dependendo do grau de desequilíbrio social e psicológico do agressor. E ainda mais: no atual quadro polarizado, ninguém é capaz de garantir a inexistência de outros potenciais psicopatas que possam fazer o mesmo a diferentes alvos e motivações ou mesmo sem motivo algum. Cautela é a melhor opção.

As lideranças das diferentes correntes de pensamento político têm o dever de atuar no objetivo de baixar os ânimos e desencorajar os atos extremados

Mais importante que a agenda que o novo governo pretende cumprir é a pacificação. A exacerbação dos politicamente divergentes é um perigoso componente deste momento na vida nacional. As lideranças das diferentes correntes de pensamento político têm o dever de atuar no objetivo de baixar os ânimos e desencorajar os atos extremados e de desobediência civil, que prejudiquem diretamente os praticantes, intranquilizem a população e possam gerar conflitos de consequências inimagináveis, até com derramamento de sangue e sacrifício de vidas.

As autoridades de todos os níveis precisam observar atentamente os seus deveres e prerrogativas e exercê-los plenamente sem jamais extrapolar para seara alheia. E, se a invasão de seu espaço ocorrer, os titulares da área invadida não podem se acovardar porque, eleitos, são eles representantes do povo e, em nome deste, têm a obrigação de manter íntegro o poder que lhes foi outorgado. Com cada um cumprindo fielmente suas obrigações, dificilmente haverá a interferência de um poder nas atribuições dos outros porque não haverá o espaço disponível e penetrável. Para isso, todos têm de agir com responsabilidade e, principalmente, dignidade.

Uma vez consolidada a posse dos eleitos, não haverá mais razão para os divergentes permanecerem em manifestações públicas. Mas a cessação desses atos tem, necessariamente, de ser fruto de negociação, jamais de truculência. Apesar de tudo, a tensão ainda se faz presente e a possibilidade de distúrbios também.

Espera-se que todos os atores desse momento atuem com boa vontade. Além de acalmar o povo, que eles próprios também baixem a bola e evitem o nefasto clima de campanha eleitoral permanente que tanto mal tem feito ao país durante a última década. Quem está no governo precisa ter espaço e tranquilidade para cumprir o seu papel e executar os trabalhos que prometeu ao povo para conquistar o voto. E os que estão do lado de fora que se contenham para não prejudicar a execução dos serviços que o governo é encarregado de prestar à nação e se preparem para, na hora certa, apresentar suas propostas e, se conseguirem convencer, ganhar as futuras eleições.

O Brasil precisa de trégua. Não podemos viver permanentemente sob o discurso de terra arrasada e de criminalização das lideranças. O povo quer tranquilidade para viver, produzir e ser feliz. Tudo o que atrapalhar esses objetivos deve ser evitado.

Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da PM-SP e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil).

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