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Pejotização em xeque: o STF e o futuro do contrato PJ

STF trava a pejotização e amplia a insegurança: o que parece economia pode virar passivo fatal. Até a decisão, cautela é a única estratégia racional. (Foto: Gustavo Moreno/STF)

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O Brasil está em compasso de espera. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu todos os processos sobre “pejotização” no país, colocando em xeque o futuro das relações de trabalho.

Para o pequeno e médio empresário, a conta não fecha. De um lado, a agilidade e a aparente economia ao contratar um prestador de serviços (PJ). De outro, o risco jurídico de essa contratação ser vista como fraude pela Justiça do Trabalho. O que parecia uma economia inteligente pode se transformar em uma dívida capaz de quebrar o negócio.

O cenário, válido em setembro de 2025, é de absoluta incerteza. O STF, por ordem do ministro Gilmar Mendes, no Tema 1389 (ARE 1.532.603), suspendeu todos os processos que discutem o reconhecimento de vínculo de emprego em contratos PJ. A medida busca a “pacificação da questão”, mas, por ora, apenas ampliou a insegurança jurídica que paralisa gestores.

Uma análise de custos expõe o tamanho do risco. Imagine uma empresa, no regime de Lucro Presumido, que contrata um PJ por R$ 5.000,00 mensais. Em comparação com um funcionário contratado pelo regime da CLT, que custaria R$ 7.890,01, a empresa acredita estar economizando R$ 2.890,01 por mês. Em dois anos, isso representaria R$ 69.360,24 “poupados”.

O problema surge quando esse profissional, após o término do contrato, ingressa na Justiça e tem o vínculo de emprego reconhecido pelo período integral. Aquela economia de cerca de R$ 69 mil se transforma em uma dívida de R$ 101.168,44.

Esse valor inclui verbas básicas, como décimo terceiro salário e férias, que somam R$ 29.333,34; encargos como FGTS e multa de 40%, no valor de R$ 15.232,00; o INSS patronal, que alcança R$ 37.440,00; além de juros, correção monetária e honorários advocatícios, que totalizam R$ 19.163,10.

O que era um custo mensal administrável passa a ser um passivo exigível de uma só vez, muitas vezes fatal para o fluxo de caixa

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O debate não diz respeito à legalidade do contrato PJ em si, que é plenamente amparado pelo Código Civil para a prestação de serviços autônomos. O problema está na pejotização, isto é, no uso desse tipo de contrato para mascarar uma relação que, na prática, possui natureza empregatícia.

Para a Justiça do Trabalho, prevalece o princípio da primazia da realidade, previsto no artigo 9º da CLT, segundo o qual o que ocorre no dia a dia da prestação dos serviços se sobrepõe ao que está formalmente pactuado no contrato.

Os magistrados costumam identificar alguns sinais que indicam fraude, como a existência de subordinação direta, quando o prestador responde a um chefe e recebe ordens sobre como executar o trabalho; o controle de jornada, com exigência de horários fixos; a pessoalidade, quando o serviço deve ser prestado exclusivamente por aquela pessoa, sem possibilidade de substituição; o fornecimento integral da estrutura de trabalho pela empresa, sem que o prestador assuma riscos ou custos do próprio negócio; e a exigência de exclusividade, ainda que informal.

A decisão a ser tomada no Tema 1389 definirá o modelo de trabalho no Brasil pelas próximas décadas. No STF, o embate opõe duas visões distintas. De um lado, a tese empresarial, liderada pela FIESP, sustenta a livre iniciativa, prevista no artigo 170 da Constituição, argumentando que a rigidez da CLT compromete a competitividade e que as empresas necessitam de liberdade para organizar sua produção e de segurança jurídica para investir.

De outro, a tese trabalhista, defendida por entidades como a CUT e a ANAMATRA, afirma que a livre iniciativa não é absoluta e deve ser equilibrada com os valores sociais do trabalho, alertando que a pejotização em larga escala pode causar um colapso social ao reduzir a arrecadação da Previdência e inviabilizar políticas públicas de inclusão, como as cotas para pessoas com deficiência.

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho trouxe dados concretos ao debate, indicando que a migração de trabalhadores antes contratados pela CLT para o regime PJ, entre 2022 e 2024, já teria gerado perdas anuais estimadas em R$ 53,3 bilhões para a Previdência e R$ 13,7 bilhões para o FGTS.

Ao suspender os processos, o ministro Gilmar Mendes delimitou três questões centrais que deverão ser respondidas pelo Plenário do STF: se a Justiça do Trabalho é competente para julgar fraudes em contratos PJ; se a contratação de profissionais por meio de pessoa jurídica é, em si, uma prática lícita; e a quem cabe o ônus da prova em eventual processo, isto é, se ao trabalhador que alega a fraude ou à empresa que a contesta.

Enquanto a decisão não vem, o caminho mais prudente para o empresário é a cautela. A contratação pela CLT, embora mais onerosa no curto prazo, oferece previsibilidade e segurança jurídica. Já a contratação por meio de PJ deve ser reservada a serviços genuinamente autônomos, técnicos e especializados, sem qualquer forma de subordinação.

No cenário atual, o custo de uma condenação judicial tende a ser infinitamente superior ao custo mensal dos encargos de uma contratação segura.

Leandro Pinto é advogado.

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