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Imagem ilustrativa.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo

Nos últimos anos, o setor de transporte por aplicativo tem crescido exponencialmente, atraindo milhões de motoristas em busca de flexibilidade e ganhos financeiros. Inclusive, esse tipo de trabalho temporário e de complementação de renda é identificado como parte da gig economy. O dicionário de Cambridge define a gig economy como um arranjo alternativo de emprego, uma forma de trabalho em que as pessoas exercem uma atividade freelancer e recebem separadamente por cada projeto ou serviço. Em tempos de desemprego, a gig economy tem sido uma alternativa para milhares de trabalhadores que procuram esses serviços para complementar seus rendimentos.

Fizemos uma análise mais aprofundada em relação aos motoristas de aplicativo e nos deparamos com um fator fundamental. A grande maioria desses motoristas não faz cálculos de custos, depreciação, impostos, manutenção, dentre outros. E, se eventualmente o fazem, eles não descontam de suas receitas. Um dos principais erros cometidos pelos motoristas por aplicativo é não calcular adequadamente a depreciação do veículo.

Muitos motoristas subestimam a quantidade de horas dedicadas ao trabalho, comprometendo assim sua relação entre ganhos, esforço e saúde.

A utilização intensiva do automóvel resulta em um desgaste acelerado, o que reduz consideravelmente o seu valor ao longo do tempo. Em teoria, o motorista deveria ter dinheiro suficiente para comprar um veículo novo, após cinco anos de uso. Como a maioria não reserva esse montante, praticamente o motorista "doa" seu automóvel que financia as tarifas baixas praticadas para esse transporte (mais baixas em relação ao sistema de táxi convencional). Essa omissão do cálculo distorce a percepção dos lucros reais. Além disso, os custos de manutenção dos veículos também são frequentemente negligenciados.

A alta demanda de viagens implica em um desgaste maior de pneus, óleo, filtros e outros componentes do veículo, o que exige manutenção regular e reparos mais frequentes. Tais custos podem impactar significativamente os ganhos líquidos dos motoristas, reduzindo sua lucratividade geral. Outro aspecto frequentemente esquecido é o pagamento de impostos. Como trabalhadores autônomos, os motoristas de aplicativo são responsáveis por pagar seus próprios impostos, incluindo o imposto de renda e as contribuições previdenciárias. Muitos motoristas não consideram adequadamente esses encargos ao estimar seus lucros, o que pode levar a surpresas desagradáveis quando a temporada de impostos chega.

O seguro também é outro custo não calculado. Devido ao alto risco do serviço, o custo do seguro de carros usados para realizar transporte via aplicativo é exorbitante. Para proteger de alguma forma seu negócio, esse motorista acaba contribuindo para cooperativas de proteção veicular. Este serviço é oferecido por associações de classe e cooperativas para seus associados. Nesse sistema, predomina o rateio, ou seja, os associados dividem diretamente os custos relativos a algum sinistro ocorrido com o veículo. Além dos custos diretos, os motoristas de aplicativo também precisam levar em conta as horas trabalhadas.

Embora a flexibilidade seja um atrativo, é essencial considerar o tempo gasto na atividade como um custo real. Muitos motoristas subestimam a quantidade de horas dedicadas ao trabalho, comprometendo assim sua relação entre ganhos, esforço e saúde.

Fizemos um cálculo usando os dados de um motorista de aplicativo da praça de Curitiba dirigindo um veículo 1.0 financiado em 4 anos, descontando da receita: impostos (Carnê Leão), despesas apontadas no mês, despesas fixas e financiamento do veículo, provisão de despesas variáveis do veículo e alimentação, o pró-labore e INSS de autônomo do motorista, o lucro líquido é zero. Portanto a “empresa” não teria condições de gerar um capital de investimento para alavancar o próprio negócio ou, se entendemos desta maneira, para gerar um pró-labore mais condizente com a carga de trabalho para o motorista, se tornaria deficitária.

Para um período diário de trabalho de 15 horas e 26 dias trabalhados por mês, com 7.600 km rodados em 30 dias, o ganho líquido por hora calculada sobre o pró-labore retirado é de R$ 5,56. Definitivamente, são dados surpreendentes que mostram a precarização da mão de obra desses motoristas. Ou seja, além de os trabalhadores via aplicativos não realizarem seus cálculos corretamente, eles ganham pouco, já que as receitas não condizem com os custos efetuados.

Se todos os motoristas fizessem esses cálculos corretamente, pensariam duas vezes antes de prestar esse serviço, que, muitas vezes, é realizado pela falta de oportunidades em outras áreas mais remunerativas. Longe de demonizar essa área de trabalho, levantamos aqui algumas questões que devem ser discutidas e analisadas por todos os envolvidos nesse mercado, incluindo as grandes empresas desses aplicativos de transporte e nós mesmos, usuários desses serviços que nos beneficiamos, indiretamente dessa precarização. Em resumo, se as contas não fecham, alguém está pagando o prejuízo, neste caso, é o motorista por aplicativo.

Hugo Eduardo Meza Pinto é economista, professor da Faculdade Estácio e diretor da empresa de Economia Criativa Amauta; Giancarlo Mina é empreendedor, consultor e gestor financeiro.

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