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Há poucos dias, a Interpol lançou o Silver Notice, uma ferramenta inovadora no combate ao crime organizado transnacional e à evasão de divisas, permitindo que países membros solicitem informações sobre ativos vinculados a atividades criminosas, como propriedades, veículos, contas financeiras e criptoativos, facilitando a localização e recuperação de bens ilícitos.
Os Interpol Notices, ou Avisos da Interpol, são comunicações internacionais usadas para alertar os países membros sobre indivíduos ou objetos de interesse criminal. Existem vários tipos de avisos, cada um com uma finalidade específica: o Red Notice, por exemplo, busca a localização e prisão provisória de pessoas para extradição; o Blue Notice busca coletar informações sobre a identidade ou atividades de uma pessoa; e o Silver Notice, recém-criado, tem como foco a localização de ativos vinculados a crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
É essencial que os países membros da Interpol trabalhem em conjunto para superar essas barreiras, estabelecendo procedimentos padronizados que garantam a efetividade das medidas adotadas
A iniciativa surge em um contexto onde se estima que quase a totalidade dos ativos de origem criminosa permanece não recuperado, evidenciando a necessidade de mecanismos mais eficazes na cooperação internacional. Deste modo, o Silver Notice visa preencher essa lacuna, permitindo que informações cruciais sejam compartilhadas entre as nações, fortalecendo a capacidade de combate a redes criminosas, atingindo diretamente o calcanhar de Aquiles dos aparatos do crime organizado: seus recursos financeiros.
Mas a implementação desse instrumento exige uma análise crítica sobre seus potenciais impactos nos direitos individuais, pois a permissão de acesso, pelos países membros, as informações acerca do patrimônio constituído ilicitamente representam uma facilitação do bloqueio de ativos, o qual possui repercussões significativas na vida social e econômica dos indivíduos afetados.
Nesta linha, ressalta-se que o bloqueio de ativos financeiros, apesar de ser um instrumento essencial no combate ao crime organizado, requer prudência no emprego como ferramenta de “sufocamento” da atividade ilícita. Um aspecto particularmente sensível é a possível inversão do ônus da prova nas hipóteses de bloqueio de bens, considerando que, em muitos casos relacionados a crimes financeiros, observa-se a tendência de exigir que o suposto infrator comprove a licitude de seus bens para que estes sejam desbloqueados.
Essa inversão contraria princípios fundamentais do direito penal, como a presunção de inocência, e pode levar a situações onde indivíduos são penalizados sem a devida comprovação de culpa. Ademais, a eficácia do Silver Notice depende da harmonização das legislações nacionais e da disposição dos países em cooperar plenamente, tendo em vista que as diferenças nos sistemas jurídicos e a falta de mecanismos claros para a execução de solicitações internacionais podem limitar o potencial deste instrumento.
Logo, é essencial que os países membros da Interpol trabalhem em conjunto para superar essas barreiras, estabelecendo procedimentos padronizados que garantam a efetividade das medidas adotadas. A transparência e a supervisão também são fundamentais para o sucesso do Silver Notice, devendo-se assegurar que os pedidos de bloqueio de bens sejam baseados em evidências concretas, evitando-se desvios maculados por interesses alheios à justiça criminal.
O Silver Notice representa um avanço significativo na luta contra o crime organizado e a evasão de divisas, oferecendo uma plataforma para a cooperação internacional na recuperação de ativos ilícitos. No entanto, sua implementação deve ser conduzida com cautela, respeitando os direitos individuais e assegurando que princípios fundamentais sejam observados como norte de aplicação de qualquer medida restritiva, de modo a combinar a eficácia operacional com respeito às garantias legais, possibilitando o alcance dos objetivos propostos sem comprometer os valores que sustentam a justiça global.
Leonardo Tajaribe Jr. é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico e pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos