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Bolsonaro no 7 de setembro
Bolsonaro cumprimenta eleitores durante a solenidade do 7 de setembro do ano passado: presidente deve marcar presença em atos em Brasília e São Paulo.| Foto: Alan Santos/Presidência da República

Quando a inteligência aberta de pessoas livres está no controle, o futuro é imprevisível e insubordinável. Como é o exato oposto que vem sucedendo no Brasil, as consequências da manifestação do dia 7 de setembro, anunciada aos quatro ventos pelos bolsonaristas como o irromper de um novo tempo, podem ser antecipadas se a situamos com seus condicionantes políticos.

A causa determinante que cerca o dia é: Bolsonaro não tem respaldo institucional necessário para um autogolpe, nem base política sólida no parlamento para uma “virada de mesa” dentro da legalidade. Por outro lado, seus adversários não têm apoio popular expressivo o suficiente para removê-lo do poder antes da eleição, por mais crimes e erros que ele cometa. Por fim, à esquerda e ao Centrão, verdadeiros donos da situação, interessa acima de tudo deixar o “mito” derreter até o provável retorno de Lula em 2023.

Para muitos bolsonaristas, a motivação ideológica para o dia 7 é a crença difusa, com raízes neopentecostais, de que Bolsonaro seria um líder escolhido diretamente, como que “a dedo”, por Deus – as provas disso seriam sua rápida projeção a nível nacional sem apoio midiático, a “ressurreição” depois da facada na véspera de outro dia 7 de setembro, e o inesperado de sua larga vitória em 2018. Seria o nosso rei Davi, reconhecido apenas pelos “profetas” enquanto vivia na obscuridade, longe do Palácio: “O que o homem vê não é o que importa: o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração” (1 Samuel 16,7). Sua eleição – primeiro por Deus, depois confirmada pelo voto popular – viria com a missão de destronar o dragão diabólico comunista e permitir a ascensão a postos de poder aos “homens de Deus”, puros, inspirados, que, desde os instrumentos do Estado, remoldariam o Brasil num novo Israel, espelho para as nações, último obstáculo no mundo ao Anticristo “comunoglobalista” com os quatro chifres do Foro de São Paulo, China, “grande mídia” e a ONU.

A esmagadora maioria da população não acredita mais, se é que um dia acreditou, que Bolsonaro seja algo além do que mais um político de Brasília

Outros apoiadores, mais escolarizados e urbanos, veem em Jair Bolsonaro apenas um “anjo vingador” contra o establishment, a máquina, o sistema corrupto, que, apesar de não se mostrar capaz de construir nada de sólido em contraposição – muitos neste grupo já o admitem –, deve, porém, ser defendido até o fim como a última trincheira da moral e da honestidade no solo pútrido da política de Brasília.

A partir dessas convicções, que pouco têm a ver com a história real de Bolsonaro antes e durante o poder, os entusiastas pelo dia 7 enxergam uma profunda convergência entre os anseios do povo e a pessoa concreta do presidente. Portanto, neste momento crucial, esse povo não se furtaria a seguir a convocação para uma manifestação decisiva a favor do líder que, mais do que constitucionalmente representá-lo, encarnaria a essência mesmo do brasileiro “de bem”, bate com o mesmo coração e tem nas mãos o seu destino: Bolsonaro seria por excelência o defensor do “cidadão honesto”, pois ninguém o compreenderia melhor que o ex-capitão com sangue verde-e-amarelo nos veias.

O problema dessa perspectiva é muito simples: a esmagadora maioria da população não acredita mais, se é que um dia acreditou, que Bolsonaro seja algo além do que mais um político de Brasília, um operador da máquina pública sem outra fonte de credibilidade e autoridade além da qualidade de seus resultados. E os resultados têm sido desastrosos há mais de um ano. Convocar as pessoas a apoiá-lo por valores abstratos, ideológicos, de “liberdade”, “contra o comunismo”, é atribui-lo discursivamente, de volta, uma missão que ele já se mostrou repetidas vezes incapaz – e até bastante desinteressado – em cumprir.

Ainda assim, não tenho dúvida de que esta será a maior manifestação bolsonarista de todas – e não haverá outra maior. Vai encher quarteirões da Paulista e muito provavelmente superará a manifestação pró-impeachment marcada para o dia 12. Tal feito deve acarretar vitórias parciais no parlamento para o governo, em pautas específicas, e deve sustar por alguns meses a tendência de derretimento da popularidade presidencial.

But that's all! Não haverá golpe, autogolpe, contragolpe e a reeleição se manterá – e sendo percebida pelo Centrão – como inviabilizada. O futuro do Brasil seguirá oscilando entre a concretização de uma terceira via (provavelmente em torno de João Doria) e Lula à esquerda. Com a lenta recuperação econômica, a alta popularidade não voltará e o “gigantesco dia 7” restará como só mais um factoide de um governo cuja passagem em nossa história cabe bem naqueles versos shakespearianos:

a walking shadow, a poor player,
That struts and frets his hour upon the stage,
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.

Guilherme Hobbs é programador web e graduando em Física.

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