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As pessoas assistem ao evento ABBA Voyage em uma tela gigante no parque de diversões Grona Lund em Estocolmo, Suécia, 02 de setembro de 2021. Imagem ilustrativa.
As pessoas assistem ao evento ABBA Voyage em uma tela gigante no parque de diversões Grona Lund em Estocolmo, Suécia, 02 de setembro de 2021. Imagem ilustrativa.| Foto: EPA/TT NEWS AGENCY/Fredrik Persson/EFE

Sebastião Andrade é um desses raros brasileiros que você acredita já ter conhecido, mesmo se nunca teve a chance dourada de ter trombado com ele pelos corredores das rádios brasileiras. Eu fui um desses sortudos. Ah, e não se engane: o velho e conservador Tião está bem vivo, com a graça do Senhor.

A questão aqui nos leva para dois períodos da história que Tião me contou logo quando entrei na rádio Alpha FM, em São Paulo, no início de 2008. Enquanto comprava, de minhas próprias mãos Paul McCartney – Todos os Segredos da Carreira Solo – meu primeiro livro, que lançara em 2005 –, Tião já emendava um causo, como se já me conhecesse havia anos.

Conta Tião (em tempo, o melhor programador musical do Brasil, com folga), que em um fim de semana reservado para animar festas na noite paulistana, o jovem cearense Tião acabou abordado pela polícia. Ele observava, calado, enquanto os oficiais se aproximavam. O diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim:

“Tudo bem? Voltando para casa?”, perguntou o policial. 
“Estava voltando de uma festa. Sou disc jockey”, completou Tião. 
“Sem problemas. Estamos apenas checando. Sabe como é... à noite pode ser perigoso, e estamos garantindo sua segurança.” 
“Ah, tudo certo! Eu costumo animar as festas e agora estou chegando.” 
“Sem problemas. Boa noite, sr. Tião!”

A curta, mas divertida história que Tião me contou há mais de 12 anos hoje parece uma fábula. Na verdade, os policiais não estavam realmente interessados no que Tião fazia naquele fim de noite. Estavam apenas cumprindo sua função, tentando manter a ordem.

Esse curto preâmbulo, às vezes reflito, parece ter ocorrido em outro planeta – ou, quem sabe, em outra dimensão. É uma história bem diferente do que a chamada “resistência” (a mesma que um dia teve como membro Dilma Rousseff) costuma alardear. Em resumo, a polícia não estava atrás de quem trabalhava ou se divertia – e nem ousava imitar 1% do que os tais poderosos tentam fazer hoje dando a pandemia como desculpa. Era uma outra realidade.

Mais de 50 anos certamente já se passaram desde que o conservador radialista Tião Andrade passou por aquela revista do bem feita pela polícia na sempre agitada noite de São Paulo. Algumas coisas, porém, continuam – ou voltam, para tentar reviver algo que escapou por esse portal do tempo que não perdoa nada e ninguém.

Uma dessas coisas – ou melhor, bandas – parece ter pego carona naquela história contada por Tião, que certamente colocava para rodar o vinil de clássicos de gabarito internacional como The Winner Takes It AllMamma Mia e Dancing Queen. Com a indústria penando porque não vende como antes – e porque não faz mais shows como no passado –, o grupo sueco decidiu importar do passado aquele mesmo clima que os brasileiros de bem curtiam nos anos 1970.

I Still Have Faith in You e Don’t Shut Me Down chegaram ao público há poucos dias, anunciando o primeiro disco de inéditas de Benny Andersson, Agnetha Fältskog, Anni-Frid Lyngstad e Björn Ulvaeus desde 1981. Ao mesmo tempo, e de forma surreal, suas imagens farão parte de uma turnê que decolará em maio de 2022.

O dado sobre a excursão do Abba é a única parte do texto que combina mais com esses dias de aversão ao contato humano e ditadura sanitária. A turnê “Voyage” seguirá os padrões digitais, quando imagens holográficas dos artistas suecos animarão o público, em vez de suas versões humanas.

É nessa hora que eu preciso ligar para o Tião para ouvir suas histórias, de novo e de novo.

Claudio Dirani é autor de diversos livros sobre música, incluindo “Paul McCartney em discos e canções”.

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