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privatização da Eletrobras
TCU| Foto: Divulgação/TCU.

Se a vida tem o que chamamos de efeito bumerangue podemos dizer que o Tribunal de Contas da União sentiu quase instantaneamente o marketing e contra-marketing das suas ações. Na última semana, a Segunda Câmara do TCU condenou o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o procurador João Vicente Romão a ressarcir os cofres públicos por dinheiro gasto pela força-tarefa da Lava Jato com diárias e passagens.

Segundo os ministros da Corte, houve prejuízo de R$ 2,8 milhões em gastos da operação, valor que deve ser restituído ao Tesouro. Técnicos do tribunal haviam recomendado arquivar o processo, mas os ministros desconsideraram o parecer e resolveram seguir um entendimento de que o modelo adotado na operação permitiu o pagamento desproporcional e irrestrito de diárias, passagens e gratificações aos procuradores envolvidos nos processos.

A notícia foi divulgada com estardalhaço, mas também trouxe à tona um dado que já vinha circulando nas redes sociais e veículos de imprensa há tempos e que os membros daquela Corte sempre tiveram má vontade em responder. Os ministros do Tribunal de Contas são o que podemos chamar de especialistas em uso de diárias com o dinheiro público. De junho do ano passado a julho deste ano eles gastaram mais de R$ 1 milhão com passagens aéreas e diárias para viajar ao redor do mundo.

O fato é que os tribunais de contas não vêm executando a contento o seu papel, tanto assim que temos estados falidos com contas aprovadas, uma administração pública extremamente ineficiente.

Mas tem ainda as viagens nacionais de representação institucional, reservadas apenas para ministros. Durante todo o ano passado foram 65 e quem mais usou essa cota foi o ministro Bruno Dantas, ele mesmo, o relator do processo que condenou os procuradores da Lava Jato. Bruno é um expert em representar o TCU. Esse ano ele não perdeu o ritmo e já gastou R$ 385 mil com diárias e passagens internacionaise não terminamos nem o mês de agosto.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa disse em uma conferência há alguns anos que via o Tribunal de Contas da União como um playground de políticos fracassados. “É um órgão com as virtudes extirpadas. Afinal, é um playground de políticos fracassados que, sem perspectiva em se eleger, querem uma boquinha”, assinalou ele em sua fala. Na época, pareceu que o tom estava um pouco elevado, exagerado até. Mas o fato é que está cada vez mais difícil defender os membros daquela corte.

​O que o TCU fez contra os membros da Lava-Jato representa o escárnio daquele tribunal contra um dos processos mais emblemáticos contra a corrupção no nosso país e joga luz sobre uma questão muito séria. A discussão sobre o futuro dos Tribunais de Contas do Brasil é fundamental para a construção de uma administração pública mais eficiente, para o desenvolvimento das nossas instituições, combate efetivo à corrupção e fortalecimento do controle externo do poder legislativo sobre a execução dos orçamentos.

O fato é que os tribunais de contas não vêm executando a contento o seu papel, tanto assim que temos estados falidos com contas aprovadas, uma administração pública extremamente ineficiente e pouco profissional que presta como regra geral serviços públicos de péssima qualidade.

Onde estavam os tribunais de contas enquanto rombos fiscais bilionários eram construídos? O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, eventos que deixaram como legado apenas dívidas, despesas inúteis e escândalos de corrupção? Cito dois exemplos que definitivamente eram impossíveis de serem empurrados para debaixo do tapete, mas a lista é interminável.

Sustentar essa máquina de “fiscalização” não é nada barato pra nós. Juntos os tribunais de contas custam mais de R$ 10 bilhões por ano. Então, por que não funcionam bem? Algumas respostas são bem conhecidas, como a indicação política da maior parte de seus membros e a total falta de fiscalização sobre o que fazem e como fazem.

​Não é possível aceitar a nomeação de conselheiros sem curso superior ou com formação que não tem nada que ver com a fiscalização de contas públicas, como dentistas e veterinários. Não é admissível que cargos de conselheiros sejam objeto de barganhas políticas para acomodar aliados em momentos de definição de chapas eleitorais. Causa muita indignação ler as notícias de que foram compradas antecipações de aposentadorias de conselheiros para que vagas fossem abertas para políticos interessados em transformar em oportunidades de negócio cargos vitalícios, com foro privilegiado, sem nenhuma fiscalização e com muito poder.

Os cargos de conselheiros dos TCEs são equivalentes aos dos desembargadores da Justiça Estadual, e os ministros do TCU são equiparados pela Constituição Federal aos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Levantamento feito em 2019 pelo cientista político Audálio José Pontes Machado, da Universidade Federal de Pernambuco, traça o perfil político da maioria dos 186 conselheiros de 26 TCEs e do TCDF: 85 são ex-deputados estaduais e distritais, 5 são ex-deputados federais, 29 são ex-secretários estaduais, 13 ocuparam outros cargos estaduais e 40 têm ou tiveram pendências judiciais. Desse total, 56 são parentes de políticos. Antes de serem membros dos colegiados dos TCEs, muitos eram políticos de carreira, e possuem processos no próprio tribunal de contas no qual detêm as funções mais importantes.

Tribunais de contas eficientes podem produzir uma verdadeira revolução na administração pública brasileira. Vejam o que ocorre quando as instituições funcionam.  A Operação Lava Jato conseguiu o que por muito tempo parecia impossível no Brasil e em muitos países: colocar poderosos acusados de corrupção no banco dos réus.

A resposta em termos de reforma precisa ser dada pelo principal interessado no tema e também nos cargos: o Congresso Nacional. Existem Propostas de Emenda Constitucional que tratam da revisão da composição do colegiado dos tribunais de contas, bem como do perfil de seus dirigentes. Falta apenas colocá-las em debate público. Mas sem pressão social é praticamente impossível esperar que o Congresso possa alterar algo que representa um ativo político e de poder para seus membros. Precisamos nos mobilizar. Essa farra das diárias – a dos tribunais que fique claro – foi um ótimo alerta para tal.

Marina Helena Santos é economista e mestre em Economia. Foi Diretora de Desestatização do Ministério da Economia em 2019 e CEO do Instituto Millenium. É fundadora do Movimento Brasil Sem Privilégios.

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