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Lojas fechadas em Curitiba.
Lojas fechadas em Curitiba.| Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Carlos Drummond de Andrade já declamou: “Nesta cidade [...], de 2 milhões de habitantes, estou sozinho no quarto, estou sozinho na América. Estarei mesmo sozinho? Ainda há pouco um ruído anunciou vida ao meu lado”. Trabalho em casa desde o dia 18 de março, privilégio concedido pela empresa na qual trabalho, que desde cedo entendeu a gravidade dos fatos e o quão importante era, desde aquele momento, trabalhar o assunto de uma maneira serena, técnica e honesta, sempre a proteger seus colaboradores e, na medida do possível, os resultados. E, como curitibano que sou, já começo a me perguntar por que antes da quarentena eu saía tanto de casa, mesmo sendo um pai de família muito caseiro (brincadeirinha!).

Quem tem tido este privilégio de poder trabalhar em casa deve ter percebido que muitas empresas precisaram se reinventar para não fechar as portas de maneira definitiva. Serviços on-line de entrega direta, encomendas via aplicativos e diversas outras formas de garantir as atividades. Alguns mais do que prosperaram e multiplicaram seus lucros ao se reinventarem rapidamente; outros mantiveram suas atividades sem impactos; e ainda há aqueles à espera de tempos que já não mais virão, quando ainda aguardam, fechados, o desfecho de tudo isso. Ainda imaginam que abrirão suas lojas como se nada tivesse acontecido, como se as relações de venda e consumo continuassem exatamente as mesmas. Arrisco que já estamos muito diferentes.

O exposto acima não é uma crítica a quem não se movimentou ainda. Não é uma mudança fácil, há de se pensar e criar mecanismos para que tudo funcione. Eu mesmo, nas horas vagas microempresário do setor de ensino voltado para o agronegócio, ainda não consegui ter tempo e me reorganizar para capacitações on-line. Tal movimentação exige recursos, tempo, excelência e parceiros certos, nem sempre disponíveis neste momento.

Em entrevista no início de abril ao grupo Globo e jornal Valor Econômico, a empresária brasileira Luiza Trajano colocou, com muita serenidade e visão, dois pontos muito importantes que serão essenciais daqui para a frente. Primeiro, ela cita que “a empresa não será a mesma depois do coronavírus, nossos sistemas, tamanhos de escritórios não serão os mesmos”. E afirma, sobre a questão do isolamento vertical ou horizontal: “é preciso olhar agora para o pós-pandemia. Se eu abrir minhas lojas hoje, não tem clientes nas ruas. Posso fazer mal para a saúde no médio prazo, é muito pior”. Citou ainda que as relações de consumo não serão mais as mesmas, pois não há e poderá não haver mais segurança por parte dos clientes para ir até uma loja escolher produtos, por mais que medidas drásticas de cuidados estejam sendo aplicadas.

Há de se refletir sobre estas importantes afirmações. Primeiramente, sobre a necessidade de se ter um local físico memorável para atender os consumidores. Investimentos em lojas modernas, vitrines, fachadas e estacionamentos são enormes. Será que realmente se valorizará isso daqui para a frente? E, mesmo que sim, quem hoje tem a segurança para ir tranquilamente e de forma relaxada a shopping centers ou comércio de rua com alta aglomeração de pessoas, principalmente em datas comemorativas? Demoraremos para sermos os mesmos, se é que seremos um dia.

O comércio eletrônico já havia se consolidado há tempo, mas ganhou ainda mais força nos últimos meses. Não haverá volta. Lojas serão fechadas ou reduzidas, muitos continuarão a trabalhar em casa ao perceber que tinham custos enormes para a manutenção de estruturas físicas, por vezes desnecessárias, além de recursos humanos. O ensino a distância substituirá de forma massiva os grandes e caríssimos edifícios de escolas e faculdades. Revendas de carros tenderão a sumir, pois quem precisa realmente ir até uma concessionária para comprar um carro? Revendedores já trabalham em modo alternativo que precisará ser aperfeiçoado. Talvez não se mude de um dia para o outro, mas este movimento será acelerado, pois os clientes tendem a deixar as lojas físicas e os empresários, seus caros custos fixos.

Exagero? Pode até ser, mas fato é que estruturas físicas já têm pesado muito nos orçamentos da maioria dos empresários. Já aconteceu com os bancos e outras instituições; para o varejo será mais um passo. Tudo muito caro, sem retorno garantido face a uma economia instável como a nossa. Talvez não se tenha percebido, mas nestes 30 dias já nos acostumamos a receber muita coisa em casa e depois acharemos muito ruim ter de encontrar vagas em estacionamentos lotados e inseguros para se comprar um saco de pão, além de ter de cuidar a cada passo dado para não ser contaminado.

O próprio Drummond conclui, quanto ao ruído que há pouco anunciou vida ao seu lado: “[...] certo não é vida humana, mas é vida. E sinto a Bruxa presa na zona de luz. De dois milhões de habitantes!”. E ainda cita: “Companheiros, escutai-me!”

Eduardo Müller Saboia, técnico e engenheiro industrial mecânico, pós-graduado em Gestão Industrial e Business Management e mestre em Administração Estratégica, é professor de pós-graduação de Agricultura 4.0 na UFPR e head de uma empresa de treinamento e consultoria em agronegócio.

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