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Um dos maiores professores de todos os tempos
| Foto: Wokandapix/Pixabay

Uma das mais belas passagens da literatura universal é a descrição do jovem ateniense que pergunta ao seu mestre: “Que faz Deus?” “Deus eternamente geometriza”, responde placidamente ninguém menos do que Platão, o mesmo que também mandou inscrever no frontispício de sua Academia: “Que nenhum desconhecedor da Geometria entre aqui”.

À guisa de introito, enalteço propositadamente a Geometria, mas com o escopo de prestar uma homenagem aos professores – como faço todo ano, no mês de outubro. Euclides se notabilizou por sua capacidade de escrever e ensinar, ou seja, foi um grande didata, além de ser um sinônimo de Geometria. Sua maior obra, Os Elementos, exerceu (e ainda exerce) extraordinária, profunda e vasta influência no mundo há mais de 23 séculos, sendo “responsável por uma influência sobre a mente humana maior que qualquer outro livro, com exceção da Bíblia”, como bem assevera George F. Simmons, autor de diversos livros de matemática universitária.

Euclides concluiu o seu compêndio aproximadamente no ano 300 a.C., efusivamente replicado na forma de manuscritos pelos monges copistas. Desde a maior invenção do segundo milênio, a imprensa de Gutenberg, passou de mil edições, sendo a publicação de 1482, em Veneza, considerada a primeira delas. Escrito originalmente em grego, subdivide-se em 13 capítulos, constituindo-se em uma compilação metódica e ordenada de 465 proposições, tendo como característica o rigor das demonstrações, o encadeamento lógico dos teoremas, axiomas e postulados e muita clareza na exposição. Sua proposta é uma geometria dedutiva, despreocupada das aplicações práticas, em contraste com a Geometria egípcia de caráter indutivo e pragmático.

Mais se assoma à grandeza de Euclides por ter sido o fundador da Escola de Matemática da Biblioteca de Alexandria, nas margens egípcias do Mediterrâneo, contribuindo para torná-la o Templo do Saber da Antiguidade, com cerca de 700 mil rolos de papiros (talvez menos, conforme a fonte considerada). Por essa escola passaram gerações de jovens (entre eles Arquimedes, Hiparco, Ptolomeu, Eratóstenes e Apolônio) cuja genialidade nas ciências fez com que Isaac Newton reconhecesse em uma de suas cartas: “se vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Por seu turno, Albert Einstein disse que quem na juventude não teve seu entusiasmo despertado por Euclides certamente não nasceu para ser cientista.

Por estas relevantes contribuições, muitos historiadores fazem referência à Biblioteca de Alexandria como a primeira universidade, pois ali estudantes e professores passavam todo o dia debruçados em pesquisa e ensino/aprendizagem. A organização era similar às atuais instituições de ensino superior, pois parte dos professores se dedicava à gestão, parte à pesquisa e havia aqueles que, ao se notabilizarem por sua didática, focavam no ensino. Pelos relatos de Carl B. Boyer, em sua História da Matemática, “parece que Euclides definitivamente pertencia à última categoria”.

Quem trouxe Euclides de Atenas para Alexandria foi o imperador do Egito general Ptolomeu I, um dos sucessores de Alexandre Magno. Um exemplar em papiro de Os Elementos foi levado às mãos de Ptolomeu I, que, ao folhear página por página, na esperança de bem compreender os teoremas, axiomas e postulados, perguntou a Euclides se não havia uma forma mais suave de aprender Geometria. Lacônico, Euclides respondeu: “Majestade, não há uma estrada real para a Geometria”. Ou seja, o caminho da aprendizagem matemática não é florido, nem pavimentado; ao contrário, rude e pedregoso, requer disciplina pessoal e esforço.

Vê-se, assim, que a maior realização de um docente é o seu legado – e este é o propósito desta singela homenagem a Euclides. É óbvio que há milhões de outros nomes em diferentes grandezas, os quais igualmente merecem o reconhecimento de seus méritos, pois também foram além do mero cumprimento de sua obrigação. E, nesse mister, há um lema que todo professor deveria seguir como um mantra: aula que tem de ser dada merece ser bem dada e, para tanto, bem preparada... e com boas pitadas de açúcar, de afeto. Magistério é aquela profissão na qual ninguém tem o direito de ser mediano.

E, no ofício de ensinar, essa dedicação tem na vocação uma companheira perfeita. Juntas, são capazes de proporcionar encanto e vertigem mesmo para aqueles que não têm afinidade ou facilidade em alguma área de conhecimento. O renomado escritor argentino Ernesto Sábato, obviamente com pendores para a área de humanas, aos 12 anos se rendeu a um bom didata que lhe fez ver a matemática como “um mundo de infinita harmonia”. E, em geral, o aluno realmente se apaixona mais pelo bom didata que ali está do que pelo componente curricular propriamente dito.

Quando governantes, diretores e professores investem o melhor de sua energia na sala de aula, todo o ambiente escolar se transforma. A sala de aula representa os metros quadrados mais nobres de qualquer organização educacional – talvez de todo um país –, e é nesse espaço que devemos colocar os melhores talentos. Há um mote em que duas palavras merecem reverência: educar e entusiasmo. A primeira vem do latim ducere, que significa conduzir, mostrar o caminho, liderar. Entusiasmo tem etimologia no grego entheo (en = dentro, theo = Deus). Para os gregos politeístas, quem tem entusiasmo tem um deus dentro de si. Nada de grandioso pode ser obtido sem entusiasmo e nenhuma missão é mais grandiosa que a de educador, pois este tem como legado deixar no mundo uma geração melhor que a sua.

Jacir J. Venturi, graduado e pós-graduado em Matemática e Engenharia, é autor e Álgebra Vetorial e Geometria Analítica e Cônicas e Quádricas, e foi professor e diretor de escolas públicas e privadas.

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