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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

O imbróglio do Oriente Médio parece incompreensível ao olhar desavisado, e rotineiramente os comentários são encerrados com a afirmação de que faz muito tempo que eles brigam e não há solução. Quanto à inexistência de solução visível no horizonte próximo, concordo; discordo sobre a mensuração do tempo e creio relevante definir quem são "eles" e quais são as brigas.

A civilização começou na planície entre os rios Tigre e Eufrates, então fértil. Porém, sem ir tão longe, vale dizer que Alexandre passou naquelas plagas e o Império Romano controlou com espada a miríade de povos autóctones e imigrantes. O fim de Roma deixou vácuo que foi preenchido pelo Islã nas suas várias conformações religiosas e políticas, consolidando-se sob a forma do Império Otomano. A guerra eurocêntrica de 1914 a 1918 espalhou efeitos inesperados, dentre eles a débâcle otomana. Sem a mão forte de Istambul, até as pedras da Palestina perderam a calma. Assim, o litígio árabe-israelense é recente (menos de 100 anos) e versa sobre território para o povo que se vê como eleito por Deus e a presença de outro povo dotado de Deus e cultura diferentes sobre a mesma terra. Hoje, quem está na posição de Davi e na de Golias?

A questão da Palestina, para relembrar o título da obra magistral de Edward Said, dista mil quilômetros da Mesopotâmia, ponto zero da humanidade. Nesse lugar está ocorrendo violência atroz que pouco espaço tem na mídia, assoberbada pelos mísseis e contramísseis do Hamas e de Israel. Naquele lugar, onde germinou a vida civilizada, a brutalidade está deletando resíduos de diversidade religiosa e cultural que resistiram por séculos e, em alguns casos, milênios, a exemplo dos zoroastristas. Dentre as muitas destruições, as comunidades cristãs primais, não derivadas do apostolado de Paulo, estão sendo extintas pela força das metralhadoras.

O motivo que leva a repudiar a violência na Faixa de Gaza é o mesmo que deve provocar ação governamental e da sociedade civil pela salvação desses cristãos vitimados por discriminação violenta, hedionda. A inércia soa como preconceito ante o Cristianismo. Como se as atrocidades praticadas ao longo da expansão europeia sob seu pálio tornassem todos os cristãos pessoas sem dignidade a ser preservada e a cultura cristã, algo a ser varrido da face do planeta.

O ponto nodal não é religioso, embora haja o rótulo. Trata-se de garantir a preservação de idiomas, ritos, hábitos, culturas que foram o líquido amniótico do Ocidente. Não se fala de dar relevo maior a essa ou aquela religião. Para a repulsa à barbárie lesa-humanidade bastam motivos laicos expostos no introito da nossa Constituição, dentre eles a prevalência dos direitos humanos.

A assimetria nas batalhas entre Israel e o Hamas é muito, muito mais acentuada no extermínio dos cristãos que vivem em áreas da Síria e do Iraque. Mais débeis do que o personagem do Velho Testamento, nem sequer têm a funda para manejar. São ovelhas entregues à sanha dos lobos fundamentalistas – refundadores do Califado mítico – que odeiam pensamentos divergentes do seu credo.

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