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Na varanda, Pedro, Liz e Beatriz olhavam as estrelas, e cada uma das estrelas era alguém. Liz disse que aquela era a Vovó Aracy. Pedro sentiu saudade e perguntou por que ela não volta do céu. Beatriz, a mais velha do grupo, com 9 anos, respondeu que as pessoas, quando morrem, não costumam voltar do céu e ficam brilhando para sempre. "Olha lá o Vovô Paulo!", comentou Liz, apontando um corpo celeste mais distante. Apesar de não ter conhecido o avô, Pedro declarou que sentia falta dele; nesse momento, descobria que o ser humano é capaz de amar o que ainda não viu. Um dia descobrirá que aí se encontra a melhor definição de amor.

Quase ninguém se lembra de que o ano-novo essencialmente é um fenômeno da astronomia. É bem verdade que nos encarregamos de distorcê-lo por 60 minutos, com o horário de verão, mas isso não muda o fato de que a Terra (um planeta) completou uma volta em torno do Sol (uma estrela). E nós, não menos que as crianças na varanda, somos os pequenos espectadores desse drama cósmico.

As almas do Purgatório admiram-se ao perceber que o Sol faz sombra no Poeta. Afinal, Dante era, em 1300, um corpo humano em sua plena materialidade. Foi assim que ele desceu ao Inferno, foi assim que ele percorreu o Purgatório, foi assim que ele subiria ao Céu. Dante encerra os três cânticos da Comédia com a palavra "estrelas". Numa obra em que cada palavra encerra um significado, a repetição jamais é uma coincidência. Não existem meras coincidências para o cantor de Beatriz. E o Sol que ele representa – 713 translações depois – continua fazendo sombra em todos nós, tenhamos ou não lido A Divina Comédia.

No domingo em que se completaram cinco anos da morte de meu pai, fez uma linda manhã de sol. Eu estava em Curitiba e resolvi caminhar algumas quadras até a Igreja Pio X, no Batel. Quando o padre ergueu a hóstia, eu pensei que o mundo estava sendo salvo naquele exato instante. A distância que nos separa das estrelas não pode ser percorrida por um corpo humano, mesmo que ele viva 713 anos. Mas a existência de Deus vem a ser exatamente a abolição dessas distâncias espaciais e temporais. Deus não é simplesmente maior do que o homem. Nós somos gigantescos diante de micro-organismos e átomos, mas quedamos impotentes diante de sua pequenez. No tempo e no espaço, há um grande e um pequeno infinito: o milênio e o milésimo, o ano-luz e a medida subatômica. Deus percorre essas dimensões com a familiaridade de uma criança que aponta as luzes do céu na varanda e diz: "(...) o Amor, que move o sol, como as estrelas".

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