O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados.
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Uma espessa neblina jurídica e moral se abateu e envolveu todo o país. Além das agressões contínuas a um dos sustentáculos da democracia, a liberdade de expressão, sem que se ouçam as vozes que deveriam defendê-la, o país está a ponto de ver consumada uma injustiça que afeta diretamente outro dos pilares dos governos democráticos – o voto. Falamos da estarrecedora decisão tomada pelo TSE de cassar Deltan Dallagnol, um deputado legitimamente eleito, diplomado e empossado, e que teve sua candidatura anulada em menos de 1 minuto, a partir de um malabarismo jurídico que criou uma nova possibilidade de inelegibilidade não prevista em lei.

Esses fatos, inadmissíveis em qualquer Estado Democrático de Direito, deveriam gerar um profundo movimento em toda a sociedade de justa repulsa e indignação. E aqui não falamos apenas dos 344 mil eleitores que fizeram de Dallagnol o deputado federal mais votado do estado do Paraná, mas sim de todo brasileiro que preza a legalidade, ou seja, da grande maioria da população brasileira. Ainda assim, poucos assumem para si a tarefa de externar de forma organizada esses posicionamentos e de expressar sua indignação contra os atentados quase diários contra a legalidade a que assistimos no Brasil. E isso é péssimo para o país.

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Nossos deputados precisam ter a coragem necessária para mostrar que não vão se submeter ao papel de meros subalternos do Poder Judiciário.

No último domingo (4), em várias cidades brasileiras aconteceram manifestações contra a corrupção e a censura e também em apoio a Dallagnol. Embora muito bem-vindas, as mobilizações foram tímidas diante da gravidade da situação. É preciso insistir: a perseguição a Deltan Dallagnol não é um caso isolado, mas a evidência de um processo muito mais complexo e perigoso: o desmonte total das ações contra a corrupção no Brasil que acaba adquirindo também um caráter de vingança, independentemente do grau de consciência disso que possam ter os que vêm tomando essas decisões.

Não negamos que haja quem esteja crente de estar agindo corretamente. Isso só torna mais grave todo o quadro e mostra o sucesso daqueles que iniciaram essa estratégia de desmonte e a levaram adiante. No fim, o que temos é uma vingança inconcebível contra os juízes, promotores e apoiadores da Operação Lava Jato, a primeira grande operação de combate à corrupção no país. Nessa perda coletiva de razão e moralidade, reabilitam-se corruptos condenados – e há dezenas deles em todos os escalões do poder –, blindam-se aqueles ainda não descobertos, e se busca desmoralizar a Operação. Processos, provas e sentenças são anuladas e instalado um verdadeiro aparato para perseguir quem ousou investigar os bilionários esquemas de corrupção que mancharam nossa história recente. Deltan não foi o primeiro e nem será o último a ser perseguido, infelizmente.

Mas enquanto a decisão não se consuma há esperança. Neste momento, a Câmara de Deputados analisa a cassação de Dallagnol e pode decidir pela manutenção do mandato do deputado. Há base legal para isso: para cassar a candidatura, os membros do TSE acrescentaram outra possibilidade de inelegibilidade, ainda não prevista na legislação: a de que são considerados inelegíveis membros do Ministério Público que pedem exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de “reclamações disciplinares” e não apenas de processo administrativo disciplinar (PAD), como consta na lei. Isso significa que houve uma interferência direta do Poder Judiciário, que em tese deve apenas aplicar a lei já existente, sobre a prerrogativa do Legislativo, que é a de elaborar as legislações. Conforme o inciso XI do art. 49 da Constituição Nacional, é dever exclusivo do Congresso Nacional “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.

Ora, o Judiciário, por meio do TSE, interferiu na competência legislativa e agora cabe à Câmara se posicionar de forma firme e corajosa contra tal interferência, colocando-se contra a cassação da candidatura de Dallagnol. Trata-se não apenas da defesa de um mandato legítimo, cassado de forma ignóbil, mas da defesa do próprio papel constitucional da Câmara. Acatar a decisão do TSE sem contestação seria o mesmo que reconhecer que ao Judiciário também cabe o papel de legislar a seu bel-prazer, sem discussão nem debate.

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Há circunstâncias que pedem atitudes verdadeiramente heroicas, que não se prendam a comodismos ou facilidades. A mesa diretora da Câmara está diante de uma desses momentos. Nossos deputados precisam ter a coragem necessária para mostrar que não vão se submeter ao papel de meros subalternos do Poder Judiciário. Que eles tenham a coragem necessária para agir com altivez e independência. É o futuro da própria democracia brasileira que está em jogo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]