O ministro do STF Alexandre de Moraes acaba de colocar o Brasil em um clube do qual nenhum democrata se orgulharia de fazer parte: o das nações que baniram de seu território o Twitter, que passou a se chamar X após sua aquisição pelo bilionário Elon Musk. Graças a Moraes, agora nos juntamos a Coreia do Norte, China, Irã, Vietnã, Rússia, Turquia e Turcomenistão, todos ditaduras ou regimes no mínimo autoritários – e há quem diga que o Brasil não está em situação muito diferente e não poderia ser propriamente chamado de “primeira democracia a proibir o X”. Na tarde de sexta-feira, passadas poucas horas depois de encerrado o prazo dado por Moraes para que o X designasse um novo representante legal no Brasil, o ministro ordenou monocraticamente a suspensão da mídia social no país.
Os detalhes de toda a disputa envolvendo Elon Musk e Alexandre de Moraes – a divulgação dos Twitter Files Brasil, a desobediência às ordens de censura contra perfis, a inexistência de base legal para suspensões sumárias de perfis, o fechamento do escritório da rede social no país após a ameaça de prisão de sua representante legal – já são amplamente conhecidos e foram objeto de nossa análise em várias outras ocasiões. Não precisamos repeti-los agora. O que precisamos é que a sociedade finalmente desperte. Uma decisão tão absurda, desproporcional, autoritária como esta não é um repente de tirania em meio à normalidade democrática. Ela só foi possível porque, enquanto a cúpula do Judiciário se mostrou totalmente alucinada em delírios de poder e de “encarnação da democracia”, formadores de opinião, entidades de classe e parlamentares se revelaram incapazes de analisar com clareza o arcabouço construído nos inquéritos abusivos e se opor com firmeza a um conjunto desconexo de decisões incompatíveis com a Constituição, proferidas nos últimos cinco anos.
É ou não verdade que, ao longo destes cinco anos, diante de violações da imunidade parlamentar, da liberdade de expressão constitucionalmente garantida, do direito à ampla defesa, da necessidade de individualização da conduta, da proibição constitucional da censura, jornalistas, juristas e outras personalidades se limitavam a repetir que “ordem judicial se cumpre”? É ou não é verdade que, mesmo diante da ameaça de suspensão do X, o mantra continuou a ser repetido como justificativa para o que estava por vir? Esses antolhos voluntariamente colocados impediram um país quase inteiro de perceber que o princípio relevante não era o de que ordem judicial se cumpre, mas o de que ninguém se exime de responsabilidade se cometer uma injustiça por ordem de uma autoridade.
Moraes ultrapassou todos os limites nesta sexta-feira, e o momento requer uma tomada de posição imediata dos parlamentares brasileiros. Sua inação agora é inadmissível. Fomos colocados no time das piores ditaduras do mundo
As ordens dadas por Moraes às plataformas não eram meras determinações contra legem – que poderiam e eventualmente deveriam ser cumpridas –, mas determinações para cumprir uma injustiça: entregar a cabeça de usuários, “caguetá-los”, traí-los, desmonetizá-los, tudo à revelia das garantias constitucionais. Diante de tais situações, a desobediência é obrigação moral – obrigação que Musk decidiu seguir, ao contrário de outras plataformas que se submeteram ao desmando. Sem querer comparar os crimes em tela, afirmar que “estava apenas obedecendo” para fugir à responsabilização por uma injustiça é algo que todo o Ocidente democrático passou a rechaçar, com muita razão, desde Nuremberg.
Aos jornalistas que até ontem afirmavam que Moraes estaria certo em suspender o X, questionamos: eles não aplaudiriam os colegas que descumprissem uma ordem judicial para revelar o nome de uma fonte que forneceu informação importante sob a condição de anonimato? Esperamos que sim, e o fariam com toda a razão. Não poucos jornalistas nos Estados Unidos aceitaram a prisão por se recusarem a trair suas fontes, e foram vistos como heróis e exemplos para gerações de profissionais. Mas, quando os mesmos jornais e jornalistas que defenderiam a resistência à violação do sigilo da fonte encaram o caso do X afirmando apenas que “ordem judicial se cumpre”, é sinal de que não analisaram com profundidade o que está acontecendo. Que os jornais acolham essa barbaridade como razoável é sinal de que a sociedade está muito, muito doente.
Não pode passar despercebida, ainda por cima, uma medida completamente paranoica e incompatível com a democracia que acompanhou a suspensão do X: a proibição total do uso de VPNs (softwares que camuflam a real localização de usuários de internet), com multa de R$ 50 mil a qualquer um que seja pego usando tais ferramentas, que o ministro chama de “subterfúgios”, mas que são itens indispensáveis em qualquer regime que bloqueia o acesso à informação, e não à toa são proibidos apenas em nações governadas por ditadores e autocratas. Hipocritamente, o mesmo ministro que, dias atrás, recusou um recurso do X contra a censura a perfis alegando que apenas os censurados eram partes no processo, e não a rede, agora faz uma determinação a todos os brasileiros em um processo no qual a parte é o X, não a coletividade dos cidadãos.
Com esta determinação absurda, em uma única tacada, Moraes viola o direito à informação de todos os usuários, o direito à livre iniciativa das empresas que criam e comercializam os VPNs, e a liberdade de imprensa, já que profissionais de comunicação ficam impossibilitados de tomar conhecimento de forma direta do que personalidades estrangeiras afirmam no X – como bem lembrou o jornalista Glenn Greenwald –, precisando depender de que algum veículo estrangeiro repercuta as declarações. E o mais importante: Moraes joga no lixo mais uma garantia constitucional, a de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” – e não há lei vedando o uso de VPNs no Brasil, obviamente. O recuo ocorrido horas depois foi mínimo, limitando-se apenas a liberar o download de VPNs nas lojas de aplicativos; a proibição do uso de VPNs e a multa, que são o coração autoritário desta parte da decisão, foram mantidas.
Não aprovamos as indelicadezas de Elon Musk, mas, em uma sociedade normal, suas manifestações não caracterizam ilícito. Aceitar as alegações de Moraes, segundo as quais o dono do X cometeu “crimes contra a democracia”, é aceitar o que todo o Ocidente aprendeu a rejeitar: leis de sedição, leis que proíbem críticas a autoridades quando não caracterizam injúria, leis que proíbem a manifestação de ideias. Moraes ultrapassou todos os limites nesta sexta-feira, e o momento requer uma tomada de posição imediata dos parlamentares brasileiros. Sua inação agora é inadmissível. Fomos colocados no time das piores ditaduras do mundo. Os representantes do povo – especialmente os do Senado, a quem a Constituição deu a missão de ser o freio aos excessos da suprema corte – não podem deixar que um fim de semana sequer transcorra sob a vigência desta aberração ominosa.
Em um trecho repleto dos negritos e maiúsculas tão caros ao ministro, Moraes afirma que Musk se porta “como se as redes sociais fossem terra de ninguém, verdadeira terra sem lei”. O ministro está enganado. Hoje, terra sem lei não são as mídias sociais; terra sem lei é este Brasil, em que a Constituição, o Marco Civil da Internet, os códigos processuais nada mais valem, todos substituídos única e exclusivamente pela vontade suprema de Alexandre de Moraes, que exige completa obediência e subserviência a suas decisões. Os meios institucionais para freá-lo existem; resta saber se os parlamentares – e os jornalistas, e a sociedade civil organizada – têm uma espinha dorsal ou se continuarão curvados.
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