Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e Planejamento, Simone Tebet, em entrevista coletiva de apresentação do novo arcabouço fiscal.| Foto: Diogo Zacarias/MF
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Diante do DNA gastador do petismo, de todas as declarações do presidente Lula, de líderes petistas como Gleisi Hoffmann, e da pressão por mais gastos vinda de ministérios específicos, como a Casa Civil, o arcabouço fiscal apresentado na manhã desta quinta-feira pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, poderia ter sido muito pior. Mas, por outro lado, também é possível dizer que poderia ter sido melhor, dados os riscos que ainda estão embutidos na nova regra que o governo encaminhará ao Congresso Nacional e pretende ver aprovada ainda no primeiro semestre deste ano.

Ao contrário do teto de gastos, que usava a inflação como único critério para a elevação nominal das despesas do governo, o novo arcabouço usa como principal parâmetro a arrecadação, permitindo uma elevação real dos gastos que corresponda a até 70% do aumento na receita – a porcentagem exata para cada ano será ditada pelo superávit primário, que, se ficar abaixo das metas previstas, forçará uma diminuição do ritmo de elevação do gasto. Juntamente com a regra, Haddad e Tebet divulgaram as metas que o governo perseguirá: déficit zerado em 2024, superávit primário de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026. Os números podem parecer pouco ambiciosos, e mesmo se forem atingidos o país continuará a ter déficit nominal; mas a enorme sequência recente de déficits primários, rompida apenas em 2022 graças a receitas extraordinárias, mostra que mesmo esse objetivo modesto exigirá grande esforço para ser cumprido – especialmente em se tratando de um governo petista, nada inclinado a ajustes; por este ângulo, uma meta factível é melhor que uma meta tão ambiciosa quanto inatingível.

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Para algo construído pelo petismo, este talvez seja o arcabouço possível; mas, para um país cuja saúde fiscal está na UTI há anos, o possível pode não ser suficiente

De positivo, há a previsão de um “colchão” para abater a dívida pública ou fazer caixa, que consiste nos 30% do aumento de arrecadação que não poderão ser transformados em despesa. Além disso, o texto prevê que o gasto não poderá subir mais que 2,5% ao ano ainda que haja entradas extraordinárias de receitas. No entanto, a regra também acaba instituindo um “piso de gastos”, pois, mesmo com PIB e arrecadação em queda, está garantida uma elevação das despesas de ao menos 0,6%.

Além disso, há uma série de incertezas inerentes ao novo arcabouço, como a possibilidade de que o governo, em um período de vacas gordas, use a nova margem para contratar despesas permanentes (como, por exemplo, reajustes generosos ao funcionalismo) que poderão se tornar um fardo em anos de crise. Também há dúvidas pertinentes quanto à possibilidade de as metas de superávit serem atingidas sem elevação real de carga tributária. Haddad promete que não haverá “criação de novos tributos ou aumento de alíquota de tributos existentes”, mas ao mesmo tempo reforçou a necessidade de fazer os ricos pagarem mais, sem explicar como isso ocorreria e limitando-se a prometer uma revisão de benefícios fiscais. Esta, no entanto, é uma batalha muito mais difícil de vencer que a própria aprovação do arcabouço, por mais que haja benefícios ineficientes ou mal construídos – mesmo Paulo Guedes, antecessor de Haddad, também era um crítico de vários benefícios e não conseguiu levar adiante o projeto de revê-los. Se o arcabouço depender dessa revisão para que as metas de superávit sejam atingidas, ele já nasce com uma deficiência fatal.

A reação do mercado financeiro ao longo desta quinta-feira deve ser lida como mais de alívio que de entusiasmo, até porque as regras ainda estão sendo digeridas pelos analistas e investidores, e exigirão novas análises mais adiante. A ala mais radical do petismo foi de fato vencida nesta discussão, mas as incertezas ainda são muitas; há risco de alterações no Congresso que piorem o arcabouço; e algumas das regras podem permitir loucuras fiscais cujo efeito deletério só se revelará em questão de anos. Para algo construído pelo petismo, este talvez seja o arcabouço possível; mas, para um país cuja saúde fiscal está na UTI há anos, o possível pode não ser suficiente.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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