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Senador Marcos do Val.
Senador Marcos do Val.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A política brasileira vive tempos sombrios. Eleições tumultuadas, polarização extrema, censura, interferências, excessos do Judiciário e desvarios golpistas marcaram os últimos meses, dificultando a tão necessária retomada da normalidade. O mais recente capítulo dessa triste sina foram as declarações – contraditórias e até agora não suficientemente claras – do senador Marcos do Val (Podemos – ES).

Em entrevistas a diversos veículos e publicações nas redes sociais, o senador acusou a existência de um plano rocambolesco – que não foi levado a cabo – para tentar prender o ministro do STF Alexandre de Moraes e impedir a posse do presidente Lula (PT). Tal denúncia é extremamente grave e precisa ser devidamente esclarecida, em todos os sentidos.

Ainda há muito para se esclarecer, mas uma coisa é certa: o clima de perseguição e os abusos praticados sob justificativa de se defender a democracia devem aumentar.

São tantas as versões apresentadas que até é difícil de acompanhá-las. Em um primeiro momento, do Val disse ter sido “pressionado” por Bolsonaro a participar de um golpe; depois, que o então deputado Daniel Silveira foi o autor da proposta e que Bolsonaro apenas estava presente; por fim, deu a entender que está dando informações desencontradas de propósito – sua intenção seria “ludibriar o inimigo”, como explicou aos seus seguidores nas redes sociais na sexta-feira (4). Caberá ao inquérito aberto para investigar as denúncias do senador tentar esclarecer o que houve de fato. A depender do resultado das investigações, Marcos do Val poderá ser acusado de crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação.

Por enquanto, só há as versões apresentadas por do Val. Os outros dois participantes da reunião, que teria acontecido em dezembro do ano passado, Daniel Silveira e Jair Bolsonaro, ainda não se pronunciaram oficialmente. Flávio Bolsonaro admitiu que, de fato, o pai estava presente na reunião, mas não falou nada; Alexandre de Moraes confirmou ter sido informado por Marcos do Val do ocorrido, mas disse que na época o senador não quis prestar um depoimento oficial e o assunto não foi adiante.

É preciso que se ressalte que não há justificativa razoável para um plano como o denunciado por Marcos do Val.

Uma história tão mirabolante e ao mesmo tempo tão desvairada precisa ser analisada com calma, sem paixões. Há muitas lacunas que não foram esclarecidas. Se, de fato, houve uma tentativa de armar uma armadilha para prender Alexandre de Moraes, a operação exigiria o apoio de várias pessoas, desde pessoal técnico habilitado a usar equipamentos de monitoração e gravação, juristas para embasar uma possível ordem de prisão, órgãos de segurança e mesmo do Exército. Igualmente não há informações sobre como isso levaria à anulação dos resultados das eleições – única forma de Lula não tomar posse do cargo.

Alguns analistas têm associado o documento apócrifo encontrado na casa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, a “Minuta do Golpe”, ao plano relatado por do Val. Uma vez obtida a confissão de Moraes e decretada sua prisão, o então presidente Bolsonaro poderia ter uma justificativa para decretar uma intervenção direta no TSE, colocar os resultados das eleições em xeque e, por fim, manter-se no poder. Mas são meras especulações.

De qualquer modo, é preciso que se ressalte que não há justificativa razoável para um plano como o denunciado por Marcos do Val. Já o afirmamos inúmeras e repetidas vezes que o Judiciário, em especial ministros do STF e do TSE, tem tomado decisões equivocadas, contrariando preceitos constitucionais e interferindo na atuação dos outros Poderes. Como dissemos em outra ocasião, até Daniel Silveira foi alvo de perseguição, tendo sua imunidade parlamentar violada pelo STF por conta de um vídeo onde fazia pesados ataques a vários integrantes da corte suprema.

Mas isso não é desculpa para se agir fora da legalidade para tramar a prisão de um ministro do Supremo e reverter o resultado das eleições. Tenha ou não falado durante a reunião, Jair Bolsonaro foi, no mínimo, conivente com a proposta. Se o então presidente não sabia do plano de Daniel Silveira – é o que uma das últimas versões de Marcos do Val dá a entender – sua obrigação era impedir a continuidade da reunião ao perceber o que estava sendo proposto e denunciá-la. A um presidente que sempre frisou agir dentro das quatro linhas da Constituição não cabe participar de planos conspiratórios que poderiam mergulhar o país num caos sem precedentes. Agora, como mostrou a Gazeta do Povo, é quase certo que o caso deve complicar a situação de Bolsonaro.

Também causa estranheza a reação de Alexandre de Moraes ao ser informado do caso. Para um ministro que já mandou prender por muito menos, era de se esperar uma atitude mais enérgica, ao menos para tentar esclarecer os fatos. Agora que as declarações de Marcos do Val se tornaram públicas, o ministro já classificou o incidente como “proposta com objetivo de ruptura do Estado Democrático de Direito” e que “deve ser esclarecida no contexto mais amplo desta investigação, notadamente no que diz respeito a eventual intenção golpista”, além de determinar a abertura de um inquérito para investigar o caso.

Ainda há muito para se esclarecer, mas uma coisa é certa: o clima de perseguição e os abusos praticados sob justificativa de se defender a democracia devem aumentar. É preciso esclarecer o que realmente aconteceu, mas com serenidade. Se não tomarmos cuidado, esse plano esdrúxulo que nem chegou perto de ser executado será só mais um pretexto para que o Judiciário continue a cometer abusos.

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