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Qualquer país democrático depende do funcionamento adequado de seus poderes e instituições. Deficiências, falhas ou desvios no funcionamento das instituições nacionais podem comprometer seriamente a capacidade delas de prover justiça, dar estabilidade política e conduzir, de forma eficiente, o regime democrático e a economia de mercado. Com as instituições em crise, o país quase sempre tem como resultado o atraso, a pobreza social, a eterna instabilidade política, a insegurança jurídica e o precário ambiente institucional para investimentos, empreendedorismo e criação de negócios.
No Brasil, ainda que as lideranças dos Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, neguem haver problemas institucionais, o que se observa é o constante desequilíbrio e a falta de independência entre as instituições, o que tem gerado um contexto bastante prejudicial ao país. Enquanto tais desvios não forem sanados, além de uma democracia nacional enfraquecida e um ambiente de pouca segurança jurídica, o crescimento econômico, o desenvolvimento social e a saída do país da pobreza e do atraso continuarão travados.
Este é um dos mais importantes desafios do Brasil de hoje: fazer com que as instituições e os poderes voltem a trabalhar sem distorções, com independência e vigor. Já passou da hora de o país começar a consertar o que está funcionando mal
Uns poucos exemplos permitem entender a tese geral de que a péssima organização e o funcionamento das instituições nacionais constituem o principal fator determinante da pobreza econômica, social e cultural brasileira, como a disfuncional regra de indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do controle sobre suas condutas.
Hoje, o processo começa com a indicação dos ministros, feita pelo presidente da República, os quais são sabatinados pelo Senado Federal para aprovação ou rejeição. Uma vez empossados e no exercício de suas funções, eventuais faltas e desvios dos ministros são julgados pelo Senado, que pode, inclusive, destituí-los por processo de impeachment. Essa tramitação parece fazer sentido, porém, as distorções começam no momento em que, pela existência do chamado “foro por prerrogativa de função” (também conhecido como foro especial ou foro privilegiado), quem pode processar, julgar e condenar os senadores são os ministros que os próprios senadores aprovaram.
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Basta isso para que todo o edifício lógico, jurídico e político desmorone. Sujeitos a serem, a qualquer momento, alvo de processos e julgamentos na corte, senadores e deputados se mostram bem pouco dispostos a criar qualquer tipo de atrito com os ministros do STF. Exemplo disso são as sabatinas: na história recente do Brasil, nenhum nome indicado à corte foi barrado pelos senadores, mesmo nos casos em que era evidente a necessidade de fazê-lo em nome da saúde e independência das instituições.
Outro exemplo de funcionamento anormal é o modo como se dá a construção da pauta de assuntos que a Câmara dos Deputados tem a função de examinar, debater e votar. O Brasil tem 513 deputados federais, representando os 26 estados e o Distrito Federal. Se 200 desses deputados assinarem requerimento para pautar determinado tema, basta que o presidente da Câmara não queira que o assunto seja pautado para que tudo acabe ali e o pedido seja arquivado. Isto é, um único deputado, em função de seu cargo como dirigente do órgão legislativo, decide o que o Brasil vai discutir e o que vai, simplesmente, ser engavetado e não discutido. Essa mesma regra funciona no Senado. Quem decide o que os 81 senadores vão debater e votar é um único senador: o presidente da casa. Isso permite que temas relevantes para o país, como a abertura de uma comissão parlamentar para analisar possíveis condutas consideradas indevidas de ministros do STF, sejam sistematicamente ignorados até caírem no esquecimento.
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Estruturas e regras esdrúxulas, ilógicas e maléficas ao país não são novidades no Brasil. Um caso ilustrativo ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, quando havia no país mais de 30 bancos estatais estaduais e federais, a maioria deles em péssima situação financeira, deficitários e, em boa parte, corruptos. Foi somente porque se atingiu elevado grau de deterioração que o país executou um programa de saneamento e privatização da maioria desses bancos. Isso aconteceu em novembro de 1995, quando foi criado o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), com medidas econômicas destinadas a resolver a grave crise bancária e o risco de quebra que ameaçava vários bancos e outras instituições financeiras.
O caso do PROER merece ser lembrado por ser bom exemplo de erros e distorções que foram corrigidos, e poderia servir como exemplo histórico, se não fosse a pobreza intelectual e comportamental das estruturas políticas brasileiras. Nas empresas de capital aberto (sociedades por ações), há três agentes: os acionistas (que são os proprietários), o Conselho de Administração e a Diretoria Executiva. O Conselho de Administração é a ponte entre a propriedade e a gestão e, para exercer seu papel, cabem-lhe quatro competências: nomear a diretoria, fiscalizar a diretoria, demitir a diretoria e contratar a auditoria externa para fiscalizar as contas.
A principal causa da tragédia do sistema bancário brasileiro na época era algo absurdo: os membros da Diretoria Executiva eram também membros do Conselho de Administração. Em geral, o diretor-presidente executivo era o presidente do Conselho de Administração, portanto, eram os próprios diretores gestores que, como membros do Conselho, contratavam a empresa de auditoria que iria fiscalizá-los. É simples entender que não faz sentido algum alguém contratar aquele que vai fiscalizá-lo.
O exemplo da quebradeira dos bancos estatais e do PROER tem semelhança, em matéria de distorção, com a relação atual entre o STF e o Senado Federal. Se os senadores se sentem, de alguma maneira, dependentes do STF e de seus ministros, dificilmente conseguirão agir de forma independente em relação à corte. Este é um dos mais importantes desafios do Brasil de hoje: fazer com que as instituições e os poderes voltem a trabalhar sem distorções, com independência e vigor. Já passou da hora de o país começar a consertar o que está funcionando mal.