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O procurador-geral da República, Augusto Aras, em foto de maio de 2023.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, compartilhou no Twitter artigo que o elogiava por “destruir as bases do lavajatismo”.| Foto: Leo Bark/Secom/MPF

O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou o Twitter no domingo para se gabar de ter tido “a disposição (...) para enfrentar e desestruturar as bases do lavajatismo”. A frase não é de Aras, mas do jornalista Luís Costa Pinto, colunista do site de esquerda Brasil 247. Mesmo assim, a escolha por compartilhar este texto e destacar este trecho específico diz muito sobre os feitos e as intenções de quem busca uma segunda recondução ao cargo de procurador-geral – o que não ocorre desde a década de 90 do século passado, com as três reconduções de Geraldo Brindeiro sob Fernando Henrique Cardoso – ou, quem sabe, algo mais, já que Rosa Weber se aposenta do Supremo Tribunal Federal no fim deste ano e Aras já figurou entre os cotados para a suprema corte em 2021, quando Jair Bolsonaro teve de escolher um substituto para Marco Aurélio Mello e acabou optando por André Mendonça.

Motivos para Lula recompensar Aras, como recompensou seu advogado Cristiano Zanin ao indicá-lo ao Supremo, não faltam. O procurador-geral foi conduzido e reconduzido ao cargo por Bolsonaro, em decisão que a Gazeta do Povo julgou equivocada desde o início; tratava-se de alguém que não escondia suas críticas à Operação Lava Jato, e a escolha negava uma das partes do tripé que animou o eleitor brasileiro em 2018, a ênfase no combate à criminalidade e, especialmente, à corrupção. Uma vez no cargo, Aras decretou o fim da operação ao extinguir as forças-tarefas, substituindo-as por um modelo menos eficaz no combate a escândalos tão intrincados quanto o petrolão petista. Mas a decisão de 2021 foi precedida por uma série de outros atos que foram minando lentamente a operação, inclusive com ilações sobre a lisura dos membros da força-tarefa. Aras pouco ou nada fez para defender seu antecessor Rodrigo Janot e o ex-coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol no escandaloso caso de perseguição política no Tribunal de Contas da União – o processo, aliás, foi aberto por deputados petistas depois de uma live do próprio Aras com o grupo Prerrogativas, de advogados contrários à Lava Jato.

Ao apegar um “ismo” ao termo “Lava Jato”, Aras vai muito além da denúncia de eventuais erros: ele atribui à operação um ethos de “vale-tudo” com o único objetivo de levar a cabo uma perseguição abusiva contra o petismo. Mas isso é uma falsificação histórico-ideológica

Aras copia a linguagem dos defensores do presidente Lula e dos demais envolvidos no petrolão quando se refere ao “lavajatismo” – ainda que a frase destacada no tuíte de domingo não fosse sua, Aras já usou o termo em outras ocasiões, como na já citada live, quando disser ser necessário “corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”. Reparem que Aras não fala em eventuais erros, por imprudência ou mesmo má-fé, cometidos por um ou outro membro da força-tarefa – erros que, há de se dizer, podem até ter ocorrido de forma isolada, dada a envergadura e duração da Lava Jato, e certamente deveriam ser sanados. Ao apegar um “ismo” ao termo “Lava Jato”, Aras e os demais detratores da operação vão muito além da denúncia de possíveis erros: eles deslegitimam a operação como um todo, atribuindo a ela e a seus membros um ethos de “vale-tudo” com o único objetivo de levar a cabo uma perseguição política abusiva contra o petismo, como se fosse essa a essência da Lava Jato.

Contra esse tipo de falsificação histórico-ideológica, nunca é demais repetir a verdade sobre a Lava Jato. Uma operação que desmascarou e combateu o maior esquema de corrupção da história do país – em valores movimentados, em abrangência e ramificações, em envergadura dos políticos envolvidos – e que, para isso, usou todas as ferramentas e o rigor que a lei permitia, e nada além do que a lei permitia. Que envolveu anos de inteligência e dedicação hercúlea na coleta de provas e na elucidação dos intrincados mecanismos de pilhagem de estatais comandado pelo petismo em conluio com partidos aliados e empreiteiras. Que soube se comunicar com a opinião pública apostando na transparência total e na necessidade de prestar contas ao cidadão comum.

Se houvesse algo que merecesse o epíteto de “lavajatismo”, seria essa combinação incomum e heroica de dedicação, inteligência, correção e rigor. Mas, a bem da verdade, basta que chamemos a tudo isso de bom combate à corrupção, que foi extremamente bem-sucedido em seus primeiros anos e só não o continuou sendo porque deparou-se com a reação dos corruptos na classe política e de seus aliados, combinada com um deletério garantismo dos tribunais superiores. Quando Aras distorce todo esse trabalho para pintar uma Lava Jato fora-da-lei com propósitos políticos, mostra a que ponto a degradação moral e a tolerância com a corrupção tomaram conta do país. Mas o procurador-geral se orgulha dessa destruição, que ele exalta para mostrar a Lula o quanto já lhe foi útil e o quanto pode continuar sendo; algo que não haverá de passar despercebido ao presidente, sempre empenhado na depredação das instituições brasileiras, submetendo-as ao petismo.

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